História da Folha de Papel

Me chamam lauda,

Um quadrado delimitado,

Dizem ser sem pauta,

Branca pelo reduzido pontilhado.

Sou muito mais que isso,

Fui árvore verdejante,

Me cortaram, sou vegetal reduzido,

Sirvo de superfície estanque.

Vão me disvirginar escrevendo,

Já fui atravessada por serras,

Não fazem ideia do meu tormento,

Vão rabiscando-me por completa.

Isso não é minha completude,

Chegam nas extremidades,

Traçam margens em fina atitude,

Minhas bordas são marginal realidade.

Transbordo do margear linear,

Vou até as colheitas de eucalipto,

Processo de celulose que fui me sujeitar,

Tantas outras como eu, produto reproduzido.

Servirei de protesto contra o desmatamento,

Usarão minha matéria como panfleto,

Espalhada em muros ou mesmo levada pelo vento,

Transmitindo informações aos leitores atentos.

Instruo analfabeto com figuras,

Sou de utilidade pública,

Na falta de papel higiênico, na fissura,

Eu limpo escrementos em bundas sujas.

Me picam para diminuir meu valor,

Mas multiplico os pedaços,

Quebra-cabeças de hermético teor,

Na chuva desmancho, na poça me desfaço.

Me dobram, dobradoras que fazem origami,

Escondo embrulhando algo em mim,

Omitindo bilhetes para que alguém não se acanhe,

Começo de carta e telegrama como fim.

Datilografada, escrita, digitada,

Grafia embaralhada ou organizada,

Símbolos pequeninos ou de forma avantajada,

Caracteres enredados numa trama multifacetada.

Me enchem de desenhos, corpo de artista,

Trata com carinho por românticos enamorados,

No ódio sou odiada, amassada, cuspida,

Uma mancha denuncia até que sou documento adulterado.

Velha até amarelar, com cheiro de mofo,

Vazada por impiedosas e famintas traças,

Retrato tanto de uma pessoa quanto do povo,

Reaproveitada numa mutação reciclada.

Não é a folha presa numa árvore,

Mas a folha solta da morte de uma,

Não uma fração de um todo mais grave,

Mas sim o todo morto por industrial postura.

Que façam uma árvore com folhas nas copas,

Mas folhas de papel com desenho defolhas vegetais,

Arte que que faz ironia da natureza morta,

Qual o preço que se paga devastando sempre mais?

Não somos iguais, querem nos fazer de plágios,

Mas cada uma tem sua história laudatória,

Impressas seja com intuito burocrático,

Talvez suporte para matara ideias filosóficas.

Me cortando em um picotar de tesouras,

Ganho formatos singulares de mutilação,

Podem queimar, virando cinza negra que destoa,

Mudando de cor por processo químico de pigmentação.

Estética diversificada,tamanhos e espessuras variadas,

Já pré-desenhadas, alinhavadas, encadernadas,

Perfurantes máquinas prontas a causar violência furada,

Arames, grampos, lâminas a ponto de mutilá-las.

Sou traiçoeira, me faço cortante,

Meu fio corta fundo a pele,

Vigança de um ser cortado antes,

Sejam dependentes, a mim se entreguem.

Sou o depósito de suas esperanças,

Paixões, dores, vergonhas, sentimentos em geral,

Absorvo a inocência da criança,

Sou o hálibi ao suicida em seu ato dramático final.

Carta que envia notícias,

Cartografia que traça territórios,

Revelação de relação promíscua,

Objetividade de financeiros negócios.

Desfolhada num virtualismo informatizado,

Projetada numa tela como modelo de documento,

Criam parâmetros de um arcabouço estilizado,

Simulacro de uma nova forma de tormento.

Papel que consegue deslizar sobre as águas,

Sem milagres, apenas questão de física,

Bola amassada atirada com força pela criançada,

Prova de tristeza do aparato de ordem jurídica.

Jornal, embrulho de pão, revistas, livros,

Quantos autores me conheceram,

Graças a mim alguém um dia foi lido,

Ainda assim os literatos me esqueceram.

Rota, largada na sarjeta,

Até quando em propaganda política,

Já fui cédula eleitoral, que a democracia me agradeça,

Boletim de ocorrência, laudo médico, rótulo de bebida.

No receituário dito sobre a vida e a morte,

Pesquisas que me enaltecem com rascunhos,

Um historiador encontrou-me por sorte,

Agora revelo segredos de outra época pro mundo.

Enrolada em bubinas gigantescas,

Assim tenho a força de uma floresta,

Esmagando com um peso de perdas,

Rolo compressor de passada selva.

Frente e verso parecem a mesma coisa,

Só que a lauda tem sua face ou dupla face,

Caricatura do signo de gêmeos como folha,

É preciso desvendar o aparente desenlace.

Preciso ser folheada para ser compreendida,

Sou folhada na essência folhosa de ser,

O término será a finitude da estuprada mata abatida,

Serei a prova do mal que hão de perecer.