E se...

E se fossemos um peixe,

Daqueles em vidros de aquários,

Sem muito recurso para o deleite,

Em movimentos de espaço limitado.

Talvez uma baleia enorme,

Perfurada por lanças de pescadores,

Sangrando até a morte,

Banhando o oceano com sangue de sofredores.

Um cão de rua chutado,

Mendigando o resto do resto,

Roendo um osso encontrado,

Ganindo de frio durante o inverno.

Aqueles gatos assassinados,

Servindo de diversão infantil,

Só encontrados aos pedaços,

Miando errante e ainda sendo gentil.

Barata esmagada sem piedade,

Estalo de sola de sapato,

Compondo os restos da cidade,

Um corpo que não é velado.

Aranha arrancada da parede,

Não pode tecer sua teia,

A estética que mata pela sede

De seguir uma higiene de silhueta.

Macaco caindo dos galhos,

Cortados por moto serras,

Símios no solo estabacados,

Expulso até das cavernas.

Coruja associada ao demônio,

Caçada feito espírito maligno,

Com pedradas cai feito escombros,

Aí poderão festejar seu declínio.

Pássaros com tiros certos,

Caindo feito chuva de mortos,

Vidas ceifadas por acéfalos,

Que despedaçam os pequenos corpos.

Animais de rapina aprisionados,

Adestrados para serviços cretinos,

Todo ato de doutrinação é escravo,

Faz do aprisionado um apêndice diminuído.

Papagaios repetindo o mesmo som,

Um gravador orgânico ridículo,

Para a felicidade do que se imagina dono,

Refletindo a sonoridade do indivíduo.

Animais marítimos atolados em petróleo,

Presos em qualquer outro resíduo poluente,

Vítimas de uma catástrofe previsível de gananciosos,

Morticínio considerado habitual pelos homens inteligentes.

Galos ou cães de rinhas vorazes,

Mutilando-se para o prazer alheio,

Existência de cativos para o ataque,

Treinados em um militarismo de pesadelo.

Touros violentados até os cascos,

Quando não toureados por farra,

Chifres tristemente quebrados,

Corpo que sucumbe a ponta da espada.

Eqüinos que transportam o fardo,

Ainda sentem o chicote que fere,

Nem defecar podem com recato,

São submissos ao homem que é peste.

Animais extintos por outros fatores,

Como aquele hominídeo que pensa ser deus,

Chegará seu dia de sofrer dissabores,

Antes de extinguir, será pisoteado pelos seus.

Não precisará de outra espécie que o prenda,

Seus próprios irmãos fornecerão grilhões,

As lágrimas correrão em rios de oferenda,

Sacrifício ao egoísmo de algumas gerações.

Descobrirá em si o próprio diabo,

Encontrando a natureza perdida desse Fauno,

Mas os homens-deuses o terão dominado,

Fazendo com que grite até o tom mais alto.

A vingança das outras espécies virá,

Mas pela desgraça da própria humanidade,

A sentença hobbesiana se confirmará,

Teremos um palco de carnificina para a posteridade.