O MÁRTIR E O TIRANO
A vida tem palmeiras, seringueiras,
tem o verdor exuberante dos matagais.
O mundo tem edifícios, presídios,
tem a extinção repugnante dos animais.
A vida disputa com o mundo
o direito de nascer,
de crescer e de multiplicar-se.
O mundo impõe à vida
a pena de morte,
de exclusão e de miséria.
A vida manifesta-se
no nascimento de uma criança,
exigindo cuidados que consomem
todos os minutos de um dia histórico.
O mundo revela-se
na figura de um homem
internado em coma alcoólico,
após um surto de intemperança.
A vida é celebrada
nas quatro estações do ano,
cada uma com sua beleza própria,
é comemorada quando a luz do dia nasce,
quando o véu da noite desfaz-se...
O mundo é lamentado
nos doze meses do ano,
no mal próprio de cada dia,
é lastimado em todo desmatamento ilegal,
em todo atropelamento fatal...
A vida é o acorde perfeito,
é a vibração da alma,
seu verso é o remédio que acalma,
enquanto dura seu efeito.
O mundo é o fogo que queima,
é a ferida que dói,
seu verso é o erro que teima,
enquanto seu ácido corrói.
A vida é mártir,
o mundo é tirano,
o mártir sempre é cultivado
e ceifado pelo tirano.
A vida é a realidade fantasiada do sonho,
é ver com os olhos do coração.
O mundo é a verdade falseada, suponho,
é o cisco que trava a visão.
Enquanto se consumam esses conflitos
entre a alvura da vida e a incúria do mundo,
a exploração campeia e adquire cidadania,
insensível à inópia da maioria da população.
Paira um ar de triunfo no “inferno autotélico”,
nos cérebros programados que só entendem
a lógica da mais-valia que defendem,
quando a mais ruinosa desvalia
é a degradação do palco onde é encenada
essa contenda entre a Luz e a Treva,
que por não conseguirmos conceber,
também não podemos controlar.
A maior prejudicada pela sociedade industrial
é a Genitora universal de todas as coisas,
de todos os seres, de todos os homens:
a mãe Natureza!