GAIA
Gaia, mãe,
Genitora cósmica
Ventre inchado, dilatado e profuso
Telúrica compulsão que vibra, febre que fermenta as raizes
Benção, canto gótico, guardadora de rebanhos e segredos
Medusa dos espíritos!
Força magnética que atrai, aura gravitacional que une
Mata borrão de corpos, força do alto
Átrio das estrelas, porre das chuvas
Progenitora áspera, dócil, madrasta, explosiva e fértil
Corpo celeste, girante no espaço, vida em todas as vertentes,
Presente, passado e futuro
Agarra minhas mãos, oh musculosa força que assombra,
Destiladora dos espíritos e medos,
Dá-me teu seio, fêmea delicada e bruta
Sou o navegante que se perde no dorso de vossas grandezas
Cavo-te, fecundo-te, planto em ti todas as sementes da minha rala esperança que brota da minha fé
Colho teus frutos generosos que sustentam a vida
Mãe de todos, cativa e mestra,
Irmã da lua que menstrua, larvas vulcânicas
Anjo azul, enrolada em nuvens,
Ponto luminoso no espaço
Inquieto oceano de paisagens mutantes
Madre calma, tempestiva e avassaladora
Navego em seus vasos claudicantes e tempestuosos
Nas suas veias envenenadas, respiro seus fluxos,
Suga-me no teu respirar,
Pela mutação criadora que inspira
Oh terra lúdica tomada de luz e energia,
Estrado dos meus pés
Arsenal incestuoso das sementes más
Berçário divino das vidas que brotam,
Tempestades das existências transbordantes que aguardam
Um sinal seu, para que tudo se exploda em formas e vida
Corpos em espasmos
Brotas da certeza, terra faminta e nua
Generosa, desfigurada e fogosa
Mãe de tudo que respira, que anda e que voa,
Irmã dos oceanos que sustenta no seu dorso forte
Que juntos fomentam a vida
Abrigo das águas, que param nos valos profundos,
Tia dos peixes, abrigo das locas,
Das grotas úmidas vestidas de silencio
Que são suas vulvas embebidas de líquens e desejo
Léguas de canyons estrugidos no solo aberto
Terra maior que tudo, eternissima, poderosissima
Desertos de secura e vida
Deusa que transforma os seres
Ente carinhosa, última morada do corpo dissolvido
Energia guardada para a vida dos que virá
Redemoinhos de areia, calores e sopros
Druida em cólera, furiosa, pulmão de larvas, vômitos que incinera
Terremotos, ataques epiléticos que rasga a própria carne e mata
Terra pulsante, continental e ciclópica
Montanhas de seios, vales ondulados, nádegas extensas vestidas de árvores, matas e desterro
Tu és a Natureza fecunda, amante do sol,
Por isso és a vida, morte e ressurreição
Pórtico perdido e nostálgico a vagar no oceano da via láctea
Com seus bilhões de trilhões e trilhões de seres a bordo
Todos sedentos, todos vivos, todos morrendo e nascendo
Aparecendo e desaparecendo em ti.
Mãe abençoada e muda, sem boca, sem olhos, sem braços
Que tens apenas o corpo que me cede para que a vida se faça
Em mim, por mim, para mim, porque somos um só
Enquanto respirar-me a vida, serei a vida vagando em teu dorso
Materno, quente e cheiroso.
Oh mãe telúrica, te amo!