ciclos

a gota evapora do mar

e paira pelo espaço

toda a terra a molhar

vê campos, matas, desertos

oceanos, lagos, cidades

picos de neve encobertos

até que cede ao cansaço

em chuva então precipita

já não lhe basta o espaço

no turbilhão da montanha

a rocha batida palpita

e no despencar da torrente

corredeiras, remansos, cachoeiras

até a calma planície

onde reencontra descanso

já unida a tantas outras

irmanadas no mar manso

mas ali não tarda esperar

outra vez arrebatada

por outros caminhos lançada

ora é gelo na geleira

ora no tórrido deserto

num instante evapora

ora nas entranhas da rocha

subterrânea demora

ora nem chega a deixar

a vastidão do mar

e cada vez que lá retorna

ao reencontrar-se em tais amplidões

tantas outras que com ela

compartilham infindas visões

de um mundo tão vário de vidas

que iniciam e findam

num único e vasto horizonte

da água cuja sina

começa onde termina

e quando a pequenina gota

depois de lonjuras se acalma

descobre que é como as outras

dos seres vivos a alma

Publicado no livro "Coice de mula" (2018).