MUITO ALÉM DA MÁSCARA DA NOITE

MUITO ALÉM DA MÁSCARA DA NOITE

Será que entregar-me-á ao vazio

O pensamento em tormentos naufragado?

Ah, mais que besteira que me emana da boca:

Na verdade, já o fui e não sei. Ah, quem sabe,

Eu talvez não saiba, não queira.

Ou, com efeito, eu não goste, não possa ou não procure saber.

A verdade é que, caso a noite assim o quisesse,

Entregar-me-ia imediata e integralmente.

Não, sinceramente eu digo:

Se ainda houver tempo hábil e ela manifeste o anelo por tal senda,

Eu o faço de bom grado e tenho o dito. Afinal, desta faço a minha

Eterna sentença.

Sim, estou farto de lutar contra o obscuro e ferino

Mar meu. Sim, não quero mais me digladiar com a hoste

De demônios e fantasmas que me circundam e orbitam

A mentosfera.

Afinal, se a dama do diário toldamento quiser, irrefletidamente,

Me lanço, me entrego, sucumbo de corpo e alma a ela. Sim, se

Ela quiser, o faço gratamente. O faço verdadeiramente de maneira

Congênita. Sim, de bom grado, assumo o provável amargo peso Das consequências.

No entanto, a noite, como boa sádica que seja,

Prefere o êxtase da ressonância do padecimento

Ao hasteamento da branca bandeira: bandeira

Que gosta de dar beijo na face do firmamento.

Sim, porque, talvez, tal ação possa confirmar que esta a derrota

Esteja reconhecendo.

Não, a noite quer ver o espetáculo, o circo,

O fogo do masoquismo consumindo, carbonizando-lhe

Os êmulos ainda vivos.

Sim, enfim, ela quer ver o triúnfo que jaz

No eco do meu estertorar vívido.

Não, a noite não me quer domado por um espírito derrotista.

Não, a noite não me quer sorumbático e pelas esquinas, bodegas

Do desamparo a reclamar da vida que até aqui trago por sina.

Não, a noite quer-me impávido e aguerrido.

A noite quer-me indômito e bem garrido.

A noite quer-me rijo,

Embora esteja a carregar chagas langorosas de um ser combalido.

A noite quer-me assaltante destemido. Quer que a dor me torne

Íntegro.

A noite quer-me seda, breu, farol, lúgubre destino.

Sim, a noite quer-me á semelhança da rigidez de um morto,

Mas lépido como coelho ladino, aceso e furtivo.

Ah, a noite,

A noite quer-me rameira, ébrio, egoísmo, melancolia:

Lufada fria na fronte do miserando mendigo roçando.

Cabaço pueril, pai e mãe devassos, puteiro em estrondo:

Choro de recém-nascido a sair da boceta duma adolescente de dor

Gritando.

Sim, sou inverno nefando, primavera, verão, outono:

A alba, o ocaso, o céu negro a açambarcar-se soberano:

A pairar sobre a cidade que abriga

O porto da Baía de todos os Santos!

JESSÉ BARBOSA DE OLIVEIRA

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