ESTÁ EM TODA A PARTE

Está nas esquinas depois do crime

Na calma dos lagos após a chuva

Aparece no lado bom dos delinqüentes

Na quase morte dos inocentes

Na candura dos vestidos de noiva

Está no estupro consentido da lua-de-mel

Mora na lágrima de qualquer criança

Acha-se no cristal rolado do rosto da moça

Na gota morna do leite da mãe

No abraço terno da terra aos já sem vida

Impregnando o cheiro das raparigas

No odor acre abaixo dos ventres

Entre as pernas abertas, portais do mundo

Permanece no recato da menina virgem

Está no encontro dos lábios molhados

Persiste no vôo calmo das gaivotas

No cruzar de ávidas línguas

Na banheira da viúva solitária

Tocando-se a mais não poder

No orgasmo sob a tépida água

Nos estertores de um tesão centenário

Na contemplação da planície de trigo

Inexiste nos adoradores do próprio umbigo

Resiste no banho dourado jorrado do sol

Está no universo da bolha, sabão

Encharcando as roupas do atleta

Desabita o dia seguinte dos infelizes

A calma soturna das sacristias

Abandonou crianças no escuro claustro

Aos olhos sedentos dos capelães

Não está no olho gordo da solteirona

Nega a certeza relativa dos psiquiatras

Abdica do resgate dos seqüestrados

Repudia a bala perdida que sempre acha

Campeia pelas barrigas das parideiras

Abandonou a hipocrisia das carpideiras

Inexiste na castidade das tias velhas

No ceifar de um arbusto de camélias

Está na maternidade das meretrizes

No sorriso triste das cicatrizes

No seio farto das mães-de-leite

O amor persiste como quimera

Como irreal pote no arco-íris

Também há amor no vácuo

E na mais pura imaginação