Do princípio da realidade

"Há um silêncio dentro de mim. E esse silêncio tem sido a fonte de minhas palavras." (Clarice Lispector)

Em minha saudade triste repousa a tempestade ardente

Aos olhos do mar macio e potente remexem meus sentimentos outrora dignos

Nas montanhas ao longe no Espírito Santo sinto frio

Incomodada a alma toca os pingos de chuva que teimam em não cair

Sigo andando em uma orla que desconheço

Tropeço, caio e observo com terror o sorriso de uma velha idiota

Ansioso e desencantado sei que os pés cansados devem seguir firmes

Rapidamente retomo meu casulo

Em frente às paredes confesso minha eterna insignificância

Um mal-estar embrulha o meu estômago

Algo engoli e não me fez bem

Colocaram um sapo em minha mesa

É a bendita angústia apontando para algo que não conheço

Desacreditado da possibilidade da honestidade, da lealdade e da fidelidade

Ando na cidade cego aos olhos dos outros

Nas relações mais íntimas vejo a dor da descrença e do sofrimento

Sinto-me enojado pela falta de compaixão

Revoltado porque desistimos da humanidade e do que chamaram de amor

Inerte e apavorado espero o golpe derradeiro

A perfídia que certamente virá

O mundo que envolverá aqueles que amo

Grito para surdos que não desejam ouvir

Leciono para bípedes que preferem campos de alienação

A tempestade está por vir

Não reconheço o sossego e a mansidão

Tampouco a verdade dos homens que não pedem perdão

É implacável a realidade e a punição é certa

Na descrença do cotidiano caminho baixo no escuro

E torço por uma nova ilusão para preencher o vazio e o sapo da mesa que acabo de engolir.