Tarde Augusta
Tarde Augusta
Estalos dos pingos de chuva
Harmonizam-se sinfônicos
No meio desta tarde mansa
Tarde insana, Mendelssohniana.
Ardem, selvagens, desejos em mim.
Inconfessáveis, indisfarçáveis, inexequíveis.
A reta do tempo como se curva
No vórtice magnético desta tarde,
Onde tudo se torna elástico e vagaroso.
A Natureza majéstica suspira em gozo
E exala este perfume que se respira,
E que nos inflama a alma, dissipando a ira.
Cessam os silvos dos passarinhos.
Humanos ou não, todos se escondem
À exceção do zumbido veloz dos carros.
Sob guarda-chuvas, que se abrem como asas,
Encolhem-se os corpos diante da brisa hibernal,
Enquanto as bocas febris fumegam vapor.
Somente os galhos bailam freneticamente
Destoando um tanto da calmaria que impera,
Como se lágrimas regassem-me os sorrisos.
Mas o que dá o tom desta tarde augusta
É o modo como se me desnuda a alma
Com a imprudência de uma mulher adúltera.
E, como um espelho dentro de outro espelho,
Mergulho para dentro de mim, infinitamente
Na busca deste Eu que, sem ver nunca, serei sempre.
(Djalma Silveira)