A FOME (um monólogo)

(Para a introdução do livro Poemas Comestíveis

e Lirismos Funcionais)

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Deixe-me ver...

como vou explicar...

Algo me fez abrir a janela depois que acordei,

e não foi apenas para iluminar o quarto

ou para me certificar

de que ainda não sou um vampiro (apesar da cara).

Não seria a mesma coisa que me fez levantar da cama?

A mesma que me obrigará a retornar a esta?

Tenho tentado entender

e explicar a mim mesmo durante toda minha vida,

e devo confessar que muitas vezes cansei da tentativa.

Mas, tendo em vista que é muito mais cansativo

suportar o imenso buraco

da falta do entendimento e da explicação,

pus-me novamente na jornada.

Mal imaginei a dificuldade.

Procurei ausentar-me de rancores passados,

sobretudo dos que fazem sentido.

Decidi ressuscitar para uma vida melhor,

à minha maneira.

Mas... seria ela realmente a MINHA?

Sublimei as proezas de minha ignorância

e acabei por torná-las sublimes...

É, já mereço o certificado de Habitante da Terra.

Um diploma de Ser Humano.

Mas, e depois?

Como me conformar com esse vazio nos becos,

nas avenidas,

nas montanhas,

no espaço?

(Fragmentos de lixo espacial

colecionados por ufólogos não contam.)

Esse vazio em meio à fartura?

Tanto os que se fartam como os

que carecem dos elementos vitais

talvez estejam há muitos anos-luz

dO Elemento Vital por excelência.

Talvez nem saibam pedi-lo,

por não saberem verbalizá-lo...

Mas... será que EU sei?

Acho que já passou do meio-dia.

Verdade seja dita:

a realidade não mais me satisfaz.

Quer dizer, aquilo que vulgarmente denominamos

REALIDADE.

Aquele negócio de “nascer, crescer,

reproduzir-se e morrer”.

Ah, conte outra! Eu sei

que querem me esconder algo.

Sempre fazem isso com as crianças.

Só que eu já cresci e...

(Eu cresci...)

Bem, chega de papo.

Tentemos a telepatia.

Algumas coisas devem ser ditas mais diretamente.

Se a sucessão das palavras parecer confusa,

imagine então o nada-dizer! (e o nada pensar!!)

É o velho paradoxo do “complexo que simplifica”.

Como a matemática e o computador.

Dói mas cura, como injeção.

Por favor, escute.

Tente me ajudar, mesmo porque

estará ajudando a si mesmo:

Eu... não encontrei nos becos e ruelas da cidade

o que lá jamais poderia encontrar.

Voltei e fui,

fui e não posso exatamente dizer

que não tenha voltado diferente.

O destino encontra mil maneiras criativas

de colocar-nos num estado ainda pior.

O problema é que às vezes

tento parecer engraçado,

enquanto que por dentro estou chorando...

Eu tenho uma fome.

E tenho a impressão de que

a vacuidade que provém das suas mãos

acarretaria um holocausto nuclear

caso viesse a se unir a minha própria vacuidade.

Se há algo que possa matar

essa dúvida insípida e mortal,

seria certamente a morte imediata

de nossas mais amargas certezas.

E a telepatia não funciona.

Ainda que você me esmurrasse

e jogasse contra a parede,

estaríamos perdendo pontos no Ibope.

Seríamos então cascas, sem vida

e sem certeza?

Ora, de que vale a certeza

diante do absurdo?

Cabeças decepadas pensariam melhor

que o pendor destes membros...

Mas sei que eles foram feitos para sentir

– e não gostam do que sentem agora.

Caso você não tenha ainda percebido,

continuo com a Fome.

Logo meus atos estarão esboçando

o desconhecido que me envergonha,

levando você às lágrimas de compaixão católica.

Antes chorasse por você mesmo,

ao invés de perder seu tempo abençoando “condenados”.

Condenados a vagar...

Vago pelas ruelas mais vadias

deste país sensível e compreensivo

como uma cascavel.

Entro num lugar esfumaçado

e me faço de durão.

Vamos ver o que acontece?

"Desculpa-me a indiscreteza,

mas compadeci-me da tua solidão.

Meu apartamento também é solitário,

ficarias bem nele. Isto é... bem...

Eu gostaria de ser teu amigo desde já.

Gostaria que ao menos tu pudesses me entender.

Escuta: tenho projetos grandiosos engavetados;

queria ir a Marte

para colocar um pouco de calor humano

naquela aridez gelada...

Olha-me nos olhos: eu tenho uma fome..."

Tudo bem, um tapa a mais, um a menos,

já estou quase gostando de apanhar

ou antes adquirindo anticorpos contra a incompreensão.

Vou continuar em meu caminho sinuoso,

mendigando à escuridão

para obter pingos destilados de luz urbana.

Eu poderia ter tudo o que este mundo pode oferecer;

já tive quase em minhas mãos

o gozo vulgar da indignação ingênua

ou a podridão do comodismo ocidental,

mas deixei que os cães se fartassem

da sorte que repudiei.

Perdi a fé nos versos,

me fiz companheiro de chacais e avestruzes,

chutei as latas da dominação cultural...

mas não sem antes dela beber um pouquinho,

como o fazem os menos idiotas.

Agora amanhece outra vez

sobre o pesadelo fuliginoso que me verga.

O que me cerca é escravidão voluntária

– todos caminham sorridentes para o cadafalso.

O que tenho eu a ver com isso?

Ora, se...

Cansei de manhãs malditas.

Paro por aqui minha fantasia.

Quero preencher o vácuo

deixado pelo organicismo da alma.

Talvez use do mesmo raciocínio,

se for então o único,

mas não me acuse de contradição.

(Você não está prestando atenção.)

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O que me faz viver é a esperança.

Esperança de viver.

Encontrar a fórmula,

encontrar a chave,

encontrar a cura ou ao menos o paliativo

para a dor de...

Ora pois, você queria poemas (queria?)

e o que tenho é sua vida através da minha.

Apenas pedaços de verdade espatifante

e nem sempre acalentadora,

que meus sentidos pífios conseguem captar...

“Deus é bom”

e enquanto discutimos Teologia,

milhões morrem de fome (e solidão).

Sonhamos com uma prosperidade intervencionista

e esquecemos

que amor e ódio andam de mãos dadas.

(Desculpe a falta de originalidade.)

Bem, estou nu agora.

Tenha um bom apetite.

Tibério Lobo