Presença na Ausência

Como é difícil e como demanda

Ao mesmo tempo coragem,

E certo desprendimento

Dizer só “sim” sem arrependimento

Abrir mão de negar,

Ao menos em pensamento

Como é difícil depois de viver,

Toda uma vida apanhando

A cabeça abaixando

E um dia aprender a negar

Para evitar de morrer, naufragar

E ao sim ter-se que voltar.

Causa espanto esse um lado só

Pois que a vida é feita de lados opostos:

Andam juntos a crueldade e o dó

O desprezo e a paixão, amantes supostos

Entre amarras e solturas vai-se vivendo

As agruras e delícias vamos conhecendo

Os lados da vida alternam-se e vão

E só o sim, posso dizer então?

Se é assim, digo sim.

Pois que venho hoje em exercício

Mas que o contrário do sim

Está presente, aqui desde o início

Sem ser grafado com letras em tela,

Sem ser colado por mim,

Que seja por meio da coisa mais bela

Que é a poesia, que atende a esse fim.

Que o sim nesse poema tenha seu momento

Que aqui se espalhe sem medo ou aflição

Mas sem esquecer que nos breves espaços

Oculta-se aqui seu nêmesis-irmão.