o drama da fome

pé ante pé, o silêncio de um cachorro

- quase do gato Inocêncio, a habilidade.

imóvel na parede branca, verde lagartixa

não parece perceber a franca crueldade.

câmara lenta, roto, rotundo filme mudo

odisséia no espaço, crasso micromundo.

o tempo respira fundo no relógio tic-tac

é a parede sem a batida de um segundo.

o salto o saque o susto o pulo o baque,

- era a vez rara do bem sobre a maldade.

ferida foge a lagartixa perdendo meio rabo

cospe o cão - vive ainda a outra metade!...

fago fagote glote voraz, do bote ao mote.

já rutilam na fronte dois negros diamantes

diante da fé, a fuga que come o horizonte,

pares d´olhos ruminam saciar a sua fome.

presa e dente, os caninos na mandíbula

são dois dentes e são mais pró_eminentes.

há os incisivos pequeninos tão cortantes

os molares amassam mais que os elefantes.

os buracos negros se alimentam de estrelas.

a galáxia distante já não abre a paralaxe;

na teia canibaliza outros astros; volta e meia,

a energia sucateia, quando o caos se organiza.

por qualquer verba futura abro a armadura

e digo a todo o mundo que agora vou à luta.

impoluta figura, bem vestido e penteado,

no carro, desabotoo o terno e a gravata.

como a usam os demagogos - só bravata,

não há pão que sacie a fome desse homem.

a fome é a constante de planck no universo

está no homem como em mim - é esse verso.

se a fome aperta vou lhe dar seu meio pão

a outra metade vou guardar aqui comigo.

com inteiro pão, a pessoa no trigo se liberta

- e se liberta, vou perder mais um amigo.

sabiam conquistar as meninas da antiga

e ter seu moço aos seus pés a cada almoço.

angu de caroço, sem briga, sem alvoroço,

- áurea nova lei da escravidão ... pela barriga.