Um quadro, um campo, um girassol
Há dias que penso nessa minha insatisfação insistente
E por pensar nela, debruço-me com os cotovelos sobre minha mesa.
Vislumbro por um momento
Uma esguelha de satisfação,
Mas quando retorno,
De abstrato passaporte na mão,
Bato à porta,
Adentro e vejo que a desordem apenas aumentou.
São coisas todas jogadas ao chão,
Todas escondendo algum possível pedaço do que procuro
Ou não.
Sentir é pensar a respeito
E com tamanha força
Que o pensar passa ao peito.
É um todo confuso isso de pensar e sentir
Queria ser simples como um olhar
Que mira uma paisagem
E enxerga dela
O que veria numa tela
Não uma profusão de pensamentos complexos
E uma complexidade de sentimentos profusos
Mas simplesmente
Uma porção de tinta sobre uma porção de tecido.
Atrás do quadro,
Somente sua parte de trás
E para além de sua moldura,
Apenas coisas que lá colocamos.
Por que a natureza não admite molduras
E tão pouco este ou aquele lado dela
Molduras são coisas de gente.
Quem insiste em limitar a um quadro
Verdes colinas ou mesmo a haste de uma flor,
É certo,
Nunca deve ter-se flagrado
A contemplar verdes colinas
Ou a haste de uma flor.
No entanto, tanto, tanto que penso
E tanto e tanto que me pergunto
Incansavelmente o que me falta à completude
Que acabo sempre voltando
A esse estado de espírito
(Se é que espíritos possuem estados)
Em que sou tentado a me reconhecer
Como detentor de uma resposta tão simples quanto plausível:
O que me falta à vida é somente
Mais Pessoa à minha cabeceira
E mais cabeceiras a minha cama.
Há quem prediga o que escreve
Eu simplesmente deixo que me leve a pena.
Que eu mesmo não mais seja
Que a pena em minhas mãos
Nem sequer o que ela traça ao papel,
Não quero ser os bosques molhados,
Os rios transbordados,
Não sou eu as poças na grama
Não sou eu nem mesmo os relâmpagos
Tampouco o medo dos relâmpagos
Nem as nuvens e nem seus desenhos.
Sou apenas a chuva que cai
Caio, e nada mais.
Almejar nada que não seja exatamente agora
E é esse e somente esse o segredo da felicidade.
Poetas são simplesmente
Pessoas que se arrogam no conhecimento de todas as dúvidas.
É engodo tudo isso
E seria até gostoso se possível
Mexer tudo num enorme caldeirão,
Afundar nele
E bebê-lo de dentro pra fora,
Até que fossemos exatamente o próprio caldeirão,
Para que então quem sabe
Um pouco de satisfação, nem que toldada em ressaca
Viesse-nos a mente
E tudo o que poderíamos querer
Seria dormir
E fazer uma boa digestão da realidade.
Há também quem confunda o que é real
Com o que tentamos fazer com que seja.
Real é a tela na parede
Real é o girassol em sua diária fixação
Real são as colinas e os campos
Secos ou verdejantes.
Todas as memórias que tenho,
Os sentimentos que me vem com elas,
Os pensamentos que me vem com eles,
E que me despertam a tela, o girassol e os campos,
Não são reais,
São apenas coisas bobas de uma cabeça que inventa
E saber disso é exatamente o que hoje me impede de ser realmente infeliz
Sou feliz.
E completo.
Sou mais real que minha tristeza,
O que faço
É apenas insistir em inventar em mim
Saudades de tudo o mais que não sou, ou que não tenho,
Mas isso é apenas brincadeira
De criança inocentemente envolvida numa catarse
De solidão.