Sermão da Montanha

Subi o monte.

Quase toquei o Céu.

Estava louco

por estar só.

Julguei

que a solução

era a solidão.

Procurei um abrigo.

Nem um beiral,

nem um curral

encontrei.

Passei a noite

ao relento

no meio do trigo.

No dia seguinte,

eu era o pedinte

mais pobre

e faminto

da grande montanha.

Cometera a façanha

de ficar só

uma noite.

No dia seguinte

da noite mais longa

da minha vida

procurei um abrigo.

Nem um beiral,

nem um curral

encontrei.

No dia seguinte

eu era o pedinte

mais pobre e faminto

da grande montanha.

Cometera a façanha

de ficar só

duas noites.

Ao terceiro dia

descobri

que a solução

era a multidão.

Desci ao povoado.

Era dia de festa.

Juntei-me,

mais a minha solidão

à maior multidão

que encontrei.

Era dia de festa

no povoado.

Montanhas de gente

sem rosto

passavam ao lado.

Montanhas de gente

a sorrir,

gozavam a festa

bocado a bocado.

No meio de gente

sem rosto,

quer vista de frente

quer vista de lado

descobri

que a solução

era a ilusão.

Deixei a multidão

onde estava.

Comprei um boneco

de trapos.

Com o corpo dorido

e alma em farrapos

sentei-me cansado

à beira do rio.

Fazia frio.

Procurei um abrigo.

Nem um beiral,

nem um curral

encontrei.

Passei outra noite

ao relento

no meio do frio.

No dia seguinte,

eu era o pedinte

mais pobre

e faminto

da grande montanha.

Acordei manhã cedo.

Sentado

na pedra vizinha

à beira do rio,

um amigo

sorriu.

Olhei-o nos olhos.

No dia seguinte

da noite mais longa

da minha vida

descobri

a solução.

Passei-lhe a mão

pelo ombro.

Olhei-o nos olhos

e pedi.

Amigo.

Anda daí.

Vem subir

o monte comigo.

Manuel Paulo
Enviado por Manuel Paulo em 24/08/2006
Código do texto: T224538