Ser sabido

Sabendo ser perecível

Semeei estrelas sob a noite nua

Silenciosa e surpreendente

Incrustado na pedra dos tempos

Protegi-me dos maus augúrios

E emboscadas repentinas

Estive ali, me preservando

Das tempestades de ciúmes e cóleras

Nascedouros das frestas inesperadas

Veloz e certeiro, raiando do nada

Não fugi das dores e dos amores

Que perturbaram meus sonhos

Sublimando esta alma

Às angústias aladas dos desejos

Apodreci aquela incerteza

Deixando às moscas toda inferioridade

Dessecando toda indolência

Que escorria desta sombra

Sabendo ser volátil

Bebi meu sono em pequenos tragos

E dele derramei poemas sobre o papiro em chamas

Nas linhas das horas fiei catapultas

Arremessando ao horizonte

A ambição deste corpo desnudo

Imóvel, compenetrado

Disfarcei vontades de abismos

A garganta seca, os pés em carne viva

Propaguei lições de vôo

Nas ladeiras e baixios periféricos

Deixei um pouco deste fogo

Emergi ofegante dos aguapés

Que prenderam suas raízes em minhas veias

Ressuscitando naquele dia de sol

Em que armas lambendo o meu peito

Desmancharam-se ante ao verbo proferido

Na explosão da língua no momento exato

Sabendo ser seco

Emiti frases curtas

Oriundas do meu coração de pedra

Omiti cumprimentos e gozos

Entre ereções camufladas e arrepios

Sufoquei aquela paixão com as garras do medo

Bebendo lágrimas amargas

Misturadas ao conhaque

Levantei-me sem choro

Dos tropeços e quedas cotidianos

Desfolhei-me enquanto pude

Sugestionado pelo temor dos deuses

Desbastei aquela semente

Que brotou na areia

Para fortaleza do renascimento

Redimido pelas gotas do orvalho