GUARDE-ME NO ABISMO
GUARDE-ME NO ABISMO
Guarde-se tempo,
nos lençóis
cobertos de pó,
nas letras pretas
que foram dormir
o sono cruel
roncando a memória
retalhada do nada!
Guarde-se vivo manchado
em sangue
derramado carmim
diluído no vaso sanitário,
escorrendo pensamento impuro.
Eu desejei,
sim, eu queria
que fosses meu.
Guarde-se na boca vadia,
vomitada de palavrões.
Sim, eu queria
vê-lo
desmanchado na boca...
Guarde-se esquecido nas ilusões,
comidas por vermes
digeridos no pastel
que borbulhava
a fritura velha..
Insuportável óleo,
fritando vísceras
do que morreu.
Guarde-se na estante,
plantada e imponente
no sorriso da sala
ríspida, onde caminham
dedos maltratados, socando
papéis mentidos.
Nas sedas que me tocaram,
alisaram minha pele que gritava: Quero!
E queria..
Queria sonhar promessas
desfeitas no bar.
Queria tanto
por a mão sob os pensamentos,
seres vivos de meu desejo.
Pensa a inutilidade...
Escolhe-me
na prateleira vazia,
maltratada no dia,
onde a boca da fumaça
comeu, cuspiu e era
puro álcool!
Guarde-me
olhos devoradores,
acesos na chama
calada e inerte,
girando no cérebro.
Quero estremecer,
palavras imbecis que
fogem.
Deixa-me pousar a prateleira
limpa
de macios e cálidos
dedos,
onde sinto a respiração
soprar leve e abraçar o peito,
como pérola a penetrar meu coração.
Depois, só depois vire a página
e marque o dia
no abismo
que ficou da flor
RJ – 15/06/2006
Ivy Gomide