ERA COMO SE FOSSE, MAS NÃO É

Como se espraiasse o mar

Numa pedra bruta e maciça

E ao chão da rua, boiasse um oceano

De casas e prédios a velejar...

Como fosse muito negra

A chama acesa da vela

E o cerne da caverna

Criasse o sol d’algum lugar...

Como se a feroz mordida

Cicatrizasse em mel, a carne

E um rastro de sangue exangue

Mascasse com dentes a ferida

Como fosse uma reza de fé

Que no desengano se enxergasse

E a vida absoluta e breve

Avançasse suave, em passos de balé...

Como o bom cabrito

Fosse aquele que mata e berra

E a morte, praticando um rito

Brincasse seu atino de cabra-cega

Como pensasse que sente sempre

E sentisse o que apenas pensa presente

E achasse que pensa o que sente que é,

Não é: ou se sente ou se pensa ou se mente