Buraco de sonho

Dos sonhos fiz um buraco.

Do nada teci um saco.

Enchi o buraco de ilusões

e o saco de solidões.

Preguei-me a partida

de pôr ao ombro

o saco tecido do nada.

Tapei os sonhos do buraco

com areia molhada,

bem calcada,

por forma a não deixar que soubessem

quanto sonhei.

Parti para a vida

de saco ao ombro,

saco tecido do nada,

todo eu e as minhas solidões.

Fui apanhando as cerejas

que achei no caminho.

Devagarinho,

fui comendo

uma a uma.

A dos amigos,

a dos parentes,

a dos afins,

a dos diabos

e a dos querubins.

Ai de mim

que de todas provei.

E não sei em que dia,

em que hora, em que lugar,

tive uma vontade louca

de voltar

ao buraco

das minhas ilusões.

Retirei a areia molhada,

e encontrei

quase nada.

De tudo que deixei

apenas restavam caroços

de cerejas comidas,

ressequidas.

Voltei a partir

de saco ao ombro,

saco tecido do nada,

todo eu e as minhas solidões.

Mas levava o saco mais cheio.

Levava também o recheio

Das cerejas

Comidas por multidões.

Manuel Paulo
Enviado por Manuel Paulo em 06/11/2006
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