de gentes e carimbos
o funcionário
lança o despacho
como quem subscreve
um desabraço
nada do que é vida
lhe constata
apenas uma grave inapetência
e algum cansaço
o funcionário
nas entrelinhas
desmede a vida e a desídia
como se o carimbo fosse o leito
de todas as notícias
e urge em trânsito
pelos meandros do papel
e nos verbos de um chefe
de militares decibéis
o funcionário
assina sua sentença
nada do que é a vida
lhe convém
o funcionário
ao indicar-se tácito
alinha os carimbos de sua vida
em todos os seus atos
como se pudesse inventar
o trânsito de todos os seus passos
é que nada lhe sobra como viés
do que não fosse inexato:
palavras não serão verdadeiras
quando impressas em sobressalto
o funcionário lida com o papel
com a mesma solicitude
com que desmancha os borrões
de suas atitudes
o leito da sua lida
é de tamanha completude
que chega a parecer uma saída
das portas todas em que urge
o funcionário
tem da ordem a compreensão
de que o mundo se ordena
em todos os nãos
nada do que seja seu sim
pode lhe estar à mão
o funcionário
tem da lei
a exata compostura
de um verbo que não transita
no meio de suas ruas
é que lhe falta a textura
das grandes avenidas
com que os chefes alinham
o fulgor de suas vidas
II
o carimbo leva o funcionário
com os freios todos da vida
como se verbos fossem cadeias
que apreendessem adjetivos
que indicassem o rumo das gentes
ou que desfizessem os indícios
de que a liberdade é o destino
de todos os exercícios
o carimbo trunca o funcionário
na sua veia mais latente
que lhe joga contra a sentença
de tudo que não se consente
como se a vontade do homem
fosse matéria incoerente
é que lhe ordena a ordem
assim estabelecida
que um carimbo vale mais
que qualquer de suas vitimas
pois subentende a partição
das coisas todas da vida
o carimbo assim aposto
é um latifúndio resumido
dos verbos todos que o chefe
traz como subentendidos
e que lhe cobram os dirigentes
em todos os seus sentidos
III
o ente público
não tem veias
o sangue que lhe promove
é a certeza
de que os lucros serão privados
em sua toda inteireza
o ente público
por dentro da lei
é dito como se fora
a social sensatez
que vige em cada humano
na sua feição mais lúdica
com ares de particular
na sua razão mais pública
o ente público
é tão desnaturado
que um carimbo, às vezes,
lhe trai a incerteza
de que nunca foi coletivo
apesar da natureza
IV
a assinatura
posta no carimbo
comprova a razão
de todos os destinos
nada do que seja verbo
é tão cristalino
e mesmo quando não aposto
em sua forma mais crua
o carimbo informatizado
tem a mesma compostura
pois quando se assina a razão
se assassina a textura
de um carimbo tão avançado
apesar da escravatura
cada verbo do carimbo
é a contradição
de quem inverte a vida
com a mesma satisfação
com que se contém a ordem
nas vias todas do não
V
e assim o funcionário
nessa lida incoerente
destrava cada carimbo
e se trava em cada ente
em mostrar que toda ordem
quando posta adredemente
desvincula a vida da vida
e rói o sonho da gente