DIVERSIDADES 1-12

DIVERSIDADES I

[para Elias de Souza Santana, 20/7/09]

Realmente, não existem dois iguais,

nem mesmo "o dia que se chama hoje",

sequer o tédio que minha alma enoje,

nem ao menos as imagens naturais

vistas no espelho, pois somos desiguais:

cada coisa é diversa, ainda que aloje

o aborrecimento e da energia despoje,

nas mil vilezas dos corpos animais:

somente nos distinguem a inteligência,

a pureza de alma, a percepção,

o afeto, a meiguice, a compaixão,

para entender os outros ter paciência

e o cristal puro da humilde transparência,

quando é sincera a empatia da emoção.

DIVERSIDADES II

Diverso é o dia em que encontrei a luz

daquele dia em que verei a morte;

diverso esse semblante da consorte

do antigo rosto da amante que seduz;

diverso é esse lugar aonde eu pus

as minhas ilusões de toda a sorte;

diverso é o talho do profundo corte

de uma aliança que não mais reluz;

diversa é a noite de um amanhecer,

diversa a aurora de um entardecer,

diversa a meia-noite ao meio-dia,

diversas a paixão e a nostalgia,

diversa essa saudade que se alcança,

do diverso percutir de uma esperança.

DIVERSIDADES III

diversa é a esperança da Manhã

que a esperança pelo Entardecer,

era costume espanhol até Dizer,

de uma forma concisa e mesmo Chã,

nessa sua língua, espessa como Lã,

que melhor que o português pretende Ser,

que de Cervantes veio a Descender,

ao encararem a esperança como Vã:

que "a esperança é um belo Desjejum,

porém péssima ceia", pois nos É,

bem diverso o entusiasmo que nos Dá

o amanhecer; mas se sucesso Algum

se encontrar no dia inteiro, Até

somente uma amargura nos Trará.

DIVERSIDADES IV

somos todos iguais na diferençA,

precisamos de igual forma de alimentO,

de água, de vestuário, sonho bentO,

que nos faça esquecer a indiferençA,

com que o mundo nos trata ou nos incensA,

por um breve período, canto lentO,

porém que é limitado a um só momentO:

a fama é curta e a ignorância extensA,

só nos separa a forma em que encaramoS

os impostores de kipling: a desgraçA

e o triunfo, irmãos carnaiS

e a maneira como nos portamoS,

ao enfrentarmos cada dia que passA,

como se fossem totalmente iguaiS.

DIVERSIDADES V

E, no entretanto, quão grande é essa riqueza

que se revela na diversidade humana;

anseio igual a todos nos irmana,

mas como reagimos, com presteza

ou lentidão, é a fonte da incerteza,

no caráter da maldade desumana,

na vaidade, com que alguém se ufana

ou na virtude de máxima beleza,

pois nisto está a originalidade:

não é o que se faz, tudo foi feito,

mas a maneira como se executa;

assim diferencia a humanidade

aquele que persiste em seu defeito

daquele que prossegue a imensa luta.

DIVERSIDADES VI

É muito estranha essa diversidade:

qual o processo que faz um criminoso,

enquanto seu irmão honestidade

demonstra toda a vida e é dadivoso,

porém o outro por egoísmo é um ardiloso?

O que nos leva à generosidade,

ao passo que outrem busca o próprio gozo

e toma por padrão a falsidade?

Por que tão poucos são os que conseguem

se transformar ao longo desta vida,

mas permanecem os outros sempre iguais?

É por mérito próprio que perseguem

essa virtude a que deram guarida

ou já nasceram diversos dos demais?

DIVERSIDADES VII

Cultivo a solidão como uma flor;

plantada em vaso azul essa mudinha,

aguada lentamente, pequeninha:

mas que a faça crescer com meu calor.

Cultivo a solidão com todo o amor;

não a percebo como emoção mesquinha,

que seja da alma a única rainha:

o isolamento também tem seu valor.

Que nele existe uma diversidade

dessa exclusão de que tantos se queixam:

a solidão é fruto da lembrança,

não da grisácea luz da opacidade,

que, após morrerem, as ilusões nos deixam,

mas porque ainda é feita de esperança.

DIVERSIDADES VIII

chegou o sonho e tomou-me pela mão,

para levar-me aonde eu não queria:

mostrou-me maravilhas e agonia,

buscava dominar-me o coração...

deixei-me até levar, por ocasião,

só para ver o que me sucedia:

esse namoro com a fantasia

existem muitos que compreenderão...

diverso é o sonho que controla a mente:

é menos imprevisto o que nos vende,

porém controla o que minha alma sente;

e de repente, pensei: o sonho é meu,

por que me leva aonde bem entende?

vou conduzi-lo para onde quero eu!...

DIVERSIDADES IX

Cavalgo o tempo e o encilho após arrear

cavalo xucro, um guaxo violento:

em seus caprichos é dono do momento,

que o tempo passa, deixando-me a esperar.

Mas laço o tempo e escolho o meu passar:

são minhas esporas a domar o vento;

a barrigueira é firme e nele sento

e o tempo se rebela, ao me enfrentar.

Não tem costume dessa estranha sina:

procura derrubar-me à realidade,

mas puxo e firmo as rédeas bem assim.

O tempo morde o freio e mais se empina,

porém, envolto em tal diversidade,

farei que o tempo espere hoje por mim!...

DIVERSIDADES X

Domado o tempo, o sangue na minha boca

recobre a língua, sem se coagular:

mas engulo a mim mesmo, brando mar

e cubro meu destino em rubra touca...

Que não se julgue uma esperança louca

domar o tempo ou ao vento cavalgar:

basta apenas ao diverso dominar

e toda a resistência será pouca...

Basta furtar-se ao manso caminhar

que segue diariamente a humanidade,

queimando a tarde, após morta a manhã.

Diverso é meu andar, nesse esporear

do tempo... em meus aperos de saudade

dos velhos dias com sabor de lã...

DIVERSIDADES XI

A vida também tem "diversidades":

não és quem foste na primeira pequenez,

nem tampouco na adolescente insensatez,

nem sequer nas iniciais maturidades.

A vida passa nesse assomo de vaidades,

da aquisição na total desfaçatez,

na ânsia de copiar-se, mês a mês,

mergulhas sem notar disparidades.

Falam de sexo, de raça e deficiência

e pensam ser precisa sua inclusão,

mas quem inclui realmente o seu passado?

Lembra o que foste, em toda tua impotência:

retira os velhos dias da prisão,

para reter a ti mesmo do teu lado.

DIVERSIDADES XII

A cada um, certo talento é dado

e é mais uma questão de descobrir

e lapidar quanto foi encontrado,

sem deixar a aptidão se diluir...

Não há mérito algum em permitir

que qualquer dom seja manifestado,

mas quem deixar tal dote se esvair,

contra a própria humanidade tem pecado.

Diversos dons, a cada um o seu:

nos meandros do DNA, tudo disperso,

redistribuído de forma individual.

Mas se pretendes ser melhor o teu,

tudo contado, verás que esse diverso,

bem lá no fundo, não passa de um igual...