Palavras ao boi no da graça de 1988
assim em tua semelhança
eu possa pastar adredemente
os quilos de razão que nunca pude
e me restar tranquilo e tão somente
que sozinho, ás vezes, me desfaça
em ruminar a vida a tão confronto
que a luta me seja tão ardente
como se fora avessa ao desencontro
e não me iluda nas virginais pastagens
que as aparências iluminam vastas
mas me tenha atento e controlado
ao conteúdo de tudo que se pasta
pois rarefeito, ás vezes, em vontade
me suba do peito a sofreguidão extrema
das prontidões que alinho tão a custo
nas pastagens gerais que já me tenham
quero-me assim em cada músculo
refletir a fibra de tua indolência
que mais parece uma ação fortuita
daquilo que te tem como presença
pois se te afirmas inválido no teu pulo
mais me tenha afeito à consciência
de que meu pulo é muito mais que tanto
na solidez dos gados que convenham
quero atravessar tua calma
com a brandura e a competência
com que te alias á vitória exausta
das refregas gerais de tua ausência
pois as noites que se arquivam no teu lombo
já pela manhã se dizem madrugadas
arrancada à pulso dos teus ombros
na lavratura informal da minha fala
quero beber teu tempo em cálice coerente
que não me faça doer em cada esquina
mas que tenha da dor o rasgo em trânsito
com que as coisas sempre se alinham
quero traçar as retas que me curvem
sob o peso dos valores desse dia
e merecer a luta em que me acho
na estreiteza do leito em que me guio
quero enfrentar cada medo
com a prontidão fugaz de tua pata
e me abraçar ao mundo como a tudo
com toda a eficiência que me invada
pois do choque agudo dos contrários
me suba à face uma rosa esquálida
que signifique toda a vermelhidão
que se inventa como tal na minha alma
quero esmagar todos os meus passos
como passeias molemente o mundo
e resgatar a profunda contundência
com que caminhas apesar do rumo
pois distribuir os pés pela estrada
tem muito mais de sólida tecitura
que os teares das fábricas que alinhavam
os suores dos homens em sua escravatura
quero compreender teus olhos
com a languidez com que me olhas
e refletir no olhar a imensa calma
com que a vida o nosso olhar deflora
pois que me tenha atento a cada espanto
e que me tenha pronto a cada hora
a fazer do meu olho uma bandeira
que me tenha escrito em minha história.