A descoisificação da coisa

Quando o homem não tinha nada e nem era nada

Deu de inventar coisas.

Coisas para caçar, plantar, pescar, morar,

Usar, fazer, viajar...

Enfim, para cada necessidade sua o homem

Inventava uma coisa que a satisfizesse.

A mais bela, útil e perigosa coisa que o homem inventou

Foi a palavra.

Invenção capaz de levar do amor ao ódio,

Da paz à guerra, de salvar e de condenar,

De construir e de destruir.

Depois de ter inventado a palavra

O homem recebeu a Palavra de Deus;

Mas através da palavra que inventara,

Esqueceu-se do que Deus dissera

E começou a achar-se também um deus.

A mais maldita invenção do homem foi o dinheiro.

Depois de sua criação a palavra e A Palavra

Deixaram de valer.

Sem ele o homem não caça, não planta, não pesca, não mora,

Nada usa, nada faz, não viaja e, pasmem,

Alguns não pensam, não vivem.

Pelo dinheiro passou a valer absolutamente tudo

Do trabalho justo e mal remunerado

Até a subtraí-lo do próprio semelhante

Das formas mais indizíveis que possam existir.

O dinheiro passou a ser a única coisa a se buscar na vida

E mesmo quando se buscam outras coisas não há como se fugir dele.

Quando esta coisa não é suficiente há três coisas a fazer:

1ª Converter-se ao crime – de qualquer tipo.

2ª Humilhar-se e depender do auxílio de outrem.

3ª Suportar as dificuldades e confiar em Deus.

A maioria esquece da última coisa a se fazer.

Mas voltemos às coisas do homem.

De tanto inventar coisas

Um dia ele próprio se transformou numa coisa.

Coisificado e sem ter mais o que coisificar,

Percebeu que as coisas ficaram sem sentido.

E a coisa-homem viu que para ser apenas homem

Era preciso a descoisificação de si mesmo.

Coisa-tarefa dificílima,

Porque, neste caso, o retorno é doloridíssimo

Pois a ida foi sem coisa nenhuma

E agora é necessário deixar coisas pelo caminho

E as coisas podem derrubá-lo no seu cair

E caindo,

Pode estar destinado a ser menos ainda que uma

Coisa!

Cícero

Cícero Carlos Lopes
Enviado por Cícero Carlos Lopes em 27/10/2011
Reeditado em 01/06/2012
Código do texto: T3301297
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