A descoisificação da coisa
Quando o homem não tinha nada e nem era nada
Deu de inventar coisas.
Coisas para caçar, plantar, pescar, morar,
Usar, fazer, viajar...
Enfim, para cada necessidade sua o homem
Inventava uma coisa que a satisfizesse.
A mais bela, útil e perigosa coisa que o homem inventou
Foi a palavra.
Invenção capaz de levar do amor ao ódio,
Da paz à guerra, de salvar e de condenar,
De construir e de destruir.
Depois de ter inventado a palavra
O homem recebeu a Palavra de Deus;
Mas através da palavra que inventara,
Esqueceu-se do que Deus dissera
E começou a achar-se também um deus.
A mais maldita invenção do homem foi o dinheiro.
Depois de sua criação a palavra e A Palavra
Deixaram de valer.
Sem ele o homem não caça, não planta, não pesca, não mora,
Nada usa, nada faz, não viaja e, pasmem,
Alguns não pensam, não vivem.
Pelo dinheiro passou a valer absolutamente tudo
Do trabalho justo e mal remunerado
Até a subtraí-lo do próprio semelhante
Das formas mais indizíveis que possam existir.
O dinheiro passou a ser a única coisa a se buscar na vida
E mesmo quando se buscam outras coisas não há como se fugir dele.
Quando esta coisa não é suficiente há três coisas a fazer:
1ª Converter-se ao crime – de qualquer tipo.
2ª Humilhar-se e depender do auxílio de outrem.
3ª Suportar as dificuldades e confiar em Deus.
A maioria esquece da última coisa a se fazer.
Mas voltemos às coisas do homem.
De tanto inventar coisas
Um dia ele próprio se transformou numa coisa.
Coisificado e sem ter mais o que coisificar,
Percebeu que as coisas ficaram sem sentido.
E a coisa-homem viu que para ser apenas homem
Era preciso a descoisificação de si mesmo.
Coisa-tarefa dificílima,
Porque, neste caso, o retorno é doloridíssimo
Pois a ida foi sem coisa nenhuma
E agora é necessário deixar coisas pelo caminho
E as coisas podem derrubá-lo no seu cair
E caindo,
Pode estar destinado a ser menos ainda que uma
Coisa!
Cícero