Agonias filosóficas
Entardece!
Um homem caminha solitário pela praia.
As pessoas passam indo e vindo
e o homem continua indo...
No horizonte o Sol vai se pondo e avermelhando as águas do mar
que vêm e vão, acariciando a areia clara.
O caminhante encontra em seu caminho
pedras que servem de muro às ondas que não param de bater!
Não há mais ninguém à sua volta...
O homem senta-se na pedra e, em posição meditativa,
observa o Sol que se vai baixando no horizonte
e a Lua que se vai subindo a tomar o seu posto...
É o equilíbrio doloroso e necessário de um amor impossível...
As estrelas surgem uma a uma,
parecem grilos a cricrilar,
rendendo homenagens à noite que chega...
As ondas insistem na pedra e o homem pensa...
O mundo é tão vasto...
O Homem é tão pequeno...
Destrói o lugar em que vive em troca de dinheiro,
alimento nunca suficiente para matar a fome de sua ganância;
quer, vive, luta, mata e morre pelo dinheiro...
Homem, ser insano, complexo...
Credita ao outro sempre a culpa e a si sempre o crédito;
o ócio alheio é preguiça pecaminosa
e o próprio é descanso merecido;
o pecado alheio é sempre capital e imperdoável
e o próprio é puro descuido...
Enquanto divagava o homem em seus pensamentos
a maré avançava junto com a noite
e ele se tornava de fato uma ilha sentado em sua pedra...
e os pensamentos avançavam com a maré e com a noite...
Homem, ser insano, complexo...
Prega a paz praticando a violência;
a agressividade alheia é ignorância estúpida
e a própria é legítima defesa;
cobra dos outros, sem praticar, a solidariedade...
O pensamento desse homem-ilha, de repente, chegou a Deus...
O que seria do Homem sem Ele?
O que seria Dele sem o Homem?
Quem de fato criou quem?
Se as religiões levam a Ele,
por que se afastam de si e Dele?
Simples! As religiões são criações humanas!
E o meditativo homem-ilha já sentia as águas chegarem a seus joelhos...
Homem, ser insano, complexo...
Provoca a dor para lucrar com a cura;
causa a violência para lucrar com a segurança;
deseduca para lucrar com a ignorância;
corrompe para comprar a impunidade;
é corrompido para comprovar sua fragilidade;
dificulta a vida para lucrar com a morte...
A noite, a maré, os pensamentos,
iam ao homem-ilha encobrindo...
Homem,ser insano, complexo...
Não sabe amar porque o amor liberta,
mas ele o quer transformado a seu modo;
não sabe perdoar, pois o perdão
pressupões passar a borracha do tempo por cima do que aconteceu –
porque o que se apaga não se vê mais!
O que o Homem faz é talvez desculpar
colocando uma pedra em cima do acontecido,
tornando-o uma sepultura;
mas pedras são a todo instante removidas
e sepulturas são violadas...
A noite já ia madrugada adentro...
A maré já pedra acima...
Os pensamentos já se iam infinito além...
Homem, ser insano, complexo...
Haverá quem diga que isso não são versos,
não é um poema ou uma poesia...
Haverá quem nada compreenda por incapacidade cognitiva,
quem critique por criticar, quem aplauda por educação,
quem silencie por aprovação, quem inveje,
e até mesmo haverá
quem goste e compreenda de fato os pensamentos do homem-ilha...
A noite, enfim, se findava...
Era a vez de a Lua baixar no horizonte
e do Sol voltar ao seu lugar...
as estrelas se apagaram
e as águas recolheram-se ao seu ir e vir eternos.
A pedra em que estava o meditativo homem-ilha amanhecera vazia!
Ele fora engolido pelas ondas do mar da vida
que sempre voltam para buscar aquilo que lhes pertence!...
Cícero – 31-12-09