Tic-tac do novo dia
Um relógio toca o tic-tac do silêncio.
Pendurado com pêndulos parados na parede
Sem fluir tresloucado de loucos segundos
Sem momento
Carregando o fardo do instante interrompido
Fadado que está a não estar
Relógio de cuco encucado com os cactos
Que se tivessem olhos veria em seu deserto desolado
Imensidão árida no universo de engrenagens ocultas.
Um relógio, dois, sete mil relógios em silêncio
Onde o tempo incontável não se derrama
Parado que está aos ponteiros e aos pêndulos e aos cucos.
Ponteiros e pêndulos e cucos
Tão
Lentos
Tão
Lamentosamente
Lerdos
Atacando o próprio tempo no ato cão de não tic-taquear
Um emaranhado de muros de arame cresce
E quer engolir os dois relógios (eu disse dois?),
Os sete mil relógios tocando tic-tacs imaginários
Não escutado que é o tic-tac de um
Pelo outro (disse um único outro?)
Pelo seis mil novecentos e noventa e nove outros
Relógios sem movimentos
A cerca tosca de arame emaranhado como muro
Cresce como o medo dos estagnados
E a súbita consciência da vontade jamais tida
De ter pernas e asas
Mas os relógios se afastam dos relógios
E há quem tic-taqueie pelo ar
Tic aqui se ouve tac que responde tic
E dois agoniados pêndulos se carregam
Oscilando, enfim
Dois, como Astro-Norte e Astro-Dia
Dois como o existir e a esperança
Dois como os olhos do cavalo saltando pedras
Dois como os pés que cruzam a ponte
Pendurados na parede como andarilhos do tempo
Rachando a rocha
Alcançando o rio (segue incontável)
Dois únicos relógios tocam o tic-tac do novo dia
Ana Cristina - 06/96