Vigilância

mirei um copo

sozinho na mesa cheia

e as cadeiras

todas lambuzadas de gente

suadas e chatas:

umas bocas cheias.

aquele pobre ali, vazio…

objeto ou objetivado

ou seco somente

vidro borrado, espuma quente

e um vômito, dentro, era serpente

um bote!

arranquei as beiradas

sujas de toda a sujeira

que a gente junta entre os dentes!

e sangrava, a mesa toda

ria e sangrava satisfeita

com os nove dedos das mãos engordurados

sozinho e seco

o copo alheio ao mundo, maltratado

deveras esquecido de propósito

a maneira mais dura de se lembrar

as ripas e os pregos dilaceravam-me,

sangravam-me as carnes das pernas e costas

e o copo chorava uma espuma seca e velha

– ou será que vertia vômito? Cobra maldita!

dum súbito espanto, num reflexo pregado de dedos,

reconheci-me no vidro outrora transparente

mas o que é que eu vira ali mesmo?

pisquei os olhos

que uma lágrima de ardor me doía nas vistas,

que não se suporta quase em fixar:

o breve tempo dum piscar…

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 23/11/2012
Código do texto: T4001796
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