DAS VIRTUDES DA SUA TIMIDEZ*

I. TEXTO EM VERSOS*

Com os meus olhos fechados

Eu vi que cortara teu cabelo

E os louros que combriam o pescoço

Agora estavam espalhados no chão

E tu discursavas acesa para uma multidão.

Estiveras revestida de metal

Inteira assim, dos pés a cabeça

Eu parecia não existir, mas pensar

E desconfiava que era a época a me ninar

Com palavras sábias temperadas a incenso.

Isento eu era de primeira pessoa

Assistia a tua voz ecoar nas fileiras

Como antes fazia somente em meus ouvidos

E gritavas fervorosa, postava o dedo rijo

E, com ele para cima, declarava umas loucuras.

- Eu vou conquistar uma destas nuvens!

E tentava fazer todos acreditarem assim

- Se o céu é o mar e tenho vocação para comandar

Umas das Naus terá que ser para mim!

Mas no céu claro mal ancoravam nuvens...

Quando olhastes para este oceano

Com os olhos puros e pedintes

E aos teus pedidos ninguém resiste

Cinza tornou-se o arrebol aos poucos

E da cor da tua menina dos olhos se tornou

- Céu que tudo me mostra,

Permita-me tomar para mim as tuas vistas

Se és da cor da minha íris

Talvez eu a tudo que há assista

Eu avisto mil Naus emparelhadas...

Não reduzido de luz intensa

A tempestade hoje tem mais fulgor

Que o sol a impor seu calor

Todas as cores são empobrecidas

Ante a cor dos teus olhos.

Declarou o Céu a se render totalmente:

- Tome para ti as Naus e com ela os mares

Pois a ti tudo devemos; já que, tu, tudo somos

Sonha hoje que o céu é a teu favor

Mas de nada te renderão as águas sem o amor...

Em teus olhos lágrimas despontavam

E, por conseguinte, choveu

A chuva que não tinha cabelo para molhar

No chão se espatifou seca (foi-se a multidão)

E as águas amainaram o teu fervor...

E nos meus olhos elas nem tocaram

Pois fechados se encontravam

Mas ao meu coração atigiram

E como lâminas o golpeavam

E acordei com mais vontade de te ver.

Mudaste, ou ainda és verdadeira?

Tomara que eu ainda te encontre

Assim, como quero desta maneira

Prefiro a tua timidez que me abraça

Que a do sonho que corta os cabelos

E corta as verdades e as espalha no chão

E conquista com mentiras uma multidão

Mentiras se descobrem e os enganados se vão

Verdades não se rompem

Somente aproximam os queridos do coração

TEXTO EM PROSA*

Sonhei que você estava com cabelos curtos. Os seus cabelos que íam cobriam o pescoço, agora, estavam espalhados pelo chão: você os havia cortado. Você, com uma armadura, discursava convicta para uma multidão. Apesar de eu não existir, eu pensava! contrariando Descartes e se a época em que ocorre o meu sonho fosse a mesma de dele, pelas suas palavras, eu estaria inebriado.

Não existia, no sonho, eu como "primeira pessoa", pois eu via tudo, menos eu mesmo! Eu assistia a você falar para multidão, aquela voz que outrora ecoou nos meus ouvidos, ali, ecoava em todas as fileiras de pessoas. Apontando o dedo para o céu, você, com firmeza, dizia loucuras: - Eu vou conquistar uma destas nuvens! - e tentava fazer todos acreditarem em você assim. Dissertou: - Eu tenho vocação para comandar. Se o céu é um mar, as nuvens são Naus e uma delas será minha! - entretanto, no céu para o qual apontava (e dizia ser o mar) existiam poucas nuvens (Naus) naquele momento...

Quando você olhou para o seu oceano (o céu) com seus olhos puros e pedintes - ninguém os resiste - e o céu claro da manhã (com poucas nuvens) tornou-se cinza da cor dos seus olhos. Rogaste ao céu, agora cheio de Naus: - Céu que tudo me mostra, me permita tomar, para mim, as tuas vistas. Se tu és da cor da minha íris, talvez, eu, como tu, a tudo que existe assista. Eu vejo mil Naus emparelhadas...

O Céu, apesar de tomado de nuvens cobrindo o sol, não tinha menos luz, pois ele estava da cor dos seus olhos. Todas as cores empobrecem ante a dos teus olhos, tanto poder eles têm que o próprio Céu rendeu-se também. Diante do seu visionarismo, mulher, o Firmamento (Céu) lhe recomendou: - Tome para ti as Naus e com elas tome todos todos os mares também, pois a você, tudo devemos, já que todos somos você. Sonha hoje, que eu sou a seu favor, mas nada lhe renderão todos os mares sem o amor.

Neste momento você chorou. Tão intensamente as lágrimas apareciam nos seus olhos que, por consequência, choveu... Mas, como seus cabelos estavam cortados, a chuva não tinha a qual cabelo molhar, então, ela se espatifou no chão. No chão, onde nada mais havia, a multidão se tinha ído. E logo a chuva amenizou seu fervor visionário e mentiroso.

A chuva, nos meus olhos, não tocava, pois estavam fechados, porém ela atigiu e o golpeava como lâminas. Tive medo que fosse verdade, mas acordei de um sonho. Logo tive vontade de lhe ver, queria ter certeza de que você não havia mudado.

Sua timidez, não conquista em massa, mas honra todos os conquistados. Com a verdade, me conquistou; com sua verdade de espírito, com sua verdade de vontades. Não, até hoje não conseguiu reunir uma multidão para lhe ouvir, porém, aos poucos ouvintes, sei que você conta a verdade; há outros que, para ter todos, lhes contam mentiras. As mentiras se rompem e, com elas, toda aquela multidão; a verdade não se rompe: traz os queridos para mais próximo do coração.