A CAMPAINHA

A CAMPAINHA

"hey, temos um trabalho

para você fazer

e receber uma grana.

consiste em bla bla bla

e bla bla bla

passo na sua casa às 14h"

disse a voz

ao telefone

eu disse ok

desliguei o celular

desconectei o residencial

e dormi até as 15h,

a campainha tocou,

mas malandramente

eu havia apagado todas

as luzes,

estava na escuridão

da minha essência

envergonhada

tentando recuperar

a vida que estava

sendo despedaçada

aos poucos

e porcamente,

imagine um maneta

cego

desfiando frango,

é algo assim.

fiquei quieto

até que decidiram

calar a boca

da campainha

e ir embora,

sorri e

continuei em silêncio

sorrindo.

não queria ver ninguém

nem me locomover

nem sair

e presenciar

todo o terror

que caminha

fincado como outdoors

nas cabeças de todos,

muito menos me

comprometer

com algo que

não queria fazer

mesmo precisando

do dinheiro

minha predileção

era ficar

deitado

o dia inteiro

fumando o dia inteiro

comendo e mijando

e nada além disso.

"finalmente,

consegui fugir

de todo o oceano

roto que inunda

tudo lá fora"

pensei

mas é impossível

fugir de toda

a insanidade

do mundo

quando se é

uma parte tão

fixa dela

e sua mente

tão ou mais

ensandecida

quanto.

mais cedo

ou mais tarde

teria que levantar

e encarar toda

a galinhada

correndo sem

cabeças,

vítimas,

predadores

que se fazem de

vítimas,

e todo tipo

de monstro

que se esgueira

nas ruas.

uma hora

levantarei

caso contrário

serei obrigado

a pedir pra sair

da sala

e esperar no corredor

para ver

o que a escuridão

do desconhecer

trará.

sei disso em teoria

mas por enquanto

continuarei sorrindo

no escuro

deitado

e o telefones

continuam mudos

a campainha também

e eu idem

que dia glorioso

amém.