Um dia qualquer à sombra do cajueiro..

Vivia o mesmo sonho misturado a despertares onde a tristeza, angústia e solidão se faziam companheiras, afastando-o mais e mais de um dia distante onde conhecia o seu lugar e sua gente.

Onde estavam seu canto, suas coisas, seu quarto, sua cama, a cômoda onde ficavam alguns porta-retratos?

Essa vaga lembrança o deixava confuso.

Porque seu olhar se fixava no chão quando, vez ou outra, alguém passava?

Quanto tempo mais daquela rotina, como se vivesse horas e horas, dias e dias, numa insossa repetição de nadas, sem sentido, aturdido em seu permanente estado de confusão e melancolia?

Alguns instantâneos faziam-no acordar inquieto e perdido, num outro lugar, ambiente simples, de conversas, da varanda, da sombra do cajueiro onde pessoas animadas conversavam e riam tanto, quanto tempo?

- O senhor não comeu nada hoje, vai ficar doente, pode ser que hoje alguém venha vê-lo...

- Precisa parecer melhor, vamos fazer a barba, cortar esses cabelos, trocar esse pijama, tomar um banho, cheirar melhor, o que vão pensar...

- O senhor não está me ouvindo...

- Não tenho mais tempo...

A água fria, por instantes, o desperta desse torpor, sente às costas a parede úmida onde se escora.

- Quem é você?

- Maria, já me esqueceu de novo...

- Onde estou?

- Na sua casa nova...

- Carla?

- Tá vendo, sua filha não pode vir, mas telefona sempre para saber do senhor...

- Chama a Nê...

- Sua esposa foi fazer uma viagem pra bem longe, vai demorar...

- Tome seu remédio, mais tarde volto com seu chá....

- Que dia é hoje?

- Tá mais esquecido, é sábado, dia de visita, por isso tem que ficar bonito...

- Carla..., Nê..., que dia é hoje...

Apenas um dia qualquer na vida de alguém esquecido que se lembra de uma vida distante e que ainda quer seu canto, sua gente, sua memória, seus amores...