O Pastor de rebanhos (adaptação de Fernando Pessoa)

I

Eu nunca guardei rebanhos,

conduzi eles para um lugar melhor.

Minha alma é como um pastor,

conheçe o vento e o sol,

e anda pelas mãos das estações

a seguir e a olhar...

Toda a paz da natureza sem gente

vem sentar-se ao meu lado.

Mas fico triste como um pôr-do-sol

quando esfria a minha imaginação,

no fundo da planície,

e sente a noite adiantada,

como uma borboleta a entrar pela janela.

Ms a minha tristeza é sossego,

porque é natural e justa,

e é o que deve estar na alma,

quando já se pensa que existe.

E as mãos colhem as flores sem elas darem por isso...

II

Com um ruido de chocalhos

para além das curvas da estrada,

os meus pensamentos vão contentes.

Só tenho pena de saber que eles (os rebanhos)

ainda não são em sua plenitude contentes,

porque se não os soubesse,

em vez de serem descontentes e tristes,

seriam alegres e contentes.

...pensar incomoda como andar ao pleno dia,

quando o sol cresce e pareçe que incomoda mais...

III

Não tenho ambições nem desejos.

Ser pastor não é ambição minha.

É minha maneira de ser.

E se desejo às vezes imaginar

ser ambicioso ou cordeirinho

(ou ser rebanho para andar todo espalhado

por toda a encosta, a ser muita coisa

descontente e triste ao mesmo tempo)

é porque sinto que vivo,

a cada dia, a cada pôr-do-sol,

ou quando uma nuvem negra passa a mão

por cima da luz que corre em silêncio

pelo pensamento dentro de mim.

IV

Quando me sento a escrever versos,

passeando pelos atalhos,

escrevo versos num papel

que está no meu pensamento.

Sinto um cajado nas mãos,

e vejo um recorte de mim

no cimo dum outeiro,

olhando para meu precioso rebanho

e olhando as minhas frágeis idéias,

ou olhando para as minhas preciosas idéias

e vendo meu frágil rebanho...

Sorrindo vagamente como quem

não compreende o que eu digo,

ou finge não compreender o que eu,

compreendendo, sinto.

V

Saúdo todos os que me lerem,

tirando o meu chapéu largo

quando me vêem à porta de casa,

repentinamente, ao cantar do primeiro passarinho.

Saúdo-lhes desejando "Paz",

e a chuva, quando a chuva é necessária.

Que seus corações tenham sempre,

não com pesar, mas com amor,

a lembrança deste pastor de rebanhos,

que também sendo frágil cordeirinho,

às vezes forte, às vezes frágil,

se sente amado e protegido

pelo Pastor maior Jesus Cristo,

que me faz verdadeiramente contente e alegre

olhando o nascer do sol em cima dum outeiro,

e sentindo a brisa leve do vento pela manhã.

Alex Carvalho
Enviado por Alex Carvalho em 10/05/2007
Reeditado em 12/05/2007
Código do texto: T481992