Poema a meu povo em dias de premonição
há que vê-los joões
cerzidos à parcimônia
franzidos na consciência
embutida em seus sonhos
há que vê-los aos risos
nos prantos em que se lavam
construindo as manhãs
no desespero das tardes
há que vê-los transeuntes
de sonhos tão alheios
que entornam de suas mentes
com a certeza de vivê-los
há que vê-los civis
em militares continências
brandindo a vida à pulso
pelos vãos da inocência
há que vê-los marginais
trazidos à coerência
de lutar por algo tanto
que a simples sobrevivência
há que vê-los indecisos
nas certezas que navegam
como se fossem de um mar
que as ondas sempre lhes negam
há que vê-los urbanos
nas suas rurais investiduras
como se fossem os campos
de sua eterna escravatura
há que vê-los incontidos
nas desmedidas do tempo
pelas certezas de que tudo
caminha sempre aos ventos
há que vê-los em paciência
nos horrores da batalha
tangendo sua miséria
com a urdidura da fala
há que vê-los resumidos
num infinito incoerente
que trava o jeito do mundo
no peito aberto da gente
há que vê-los marias
trançadas pelas lembranças
das mulheres que apenas vigem
nas dobras da esperança
há que vê-los imberbes
na senectude da face
meninos quase senis
nos desvãos de sua idade
há que vê-los tão magros
como interrogações urgentes
como se ossos fossem razão
de construir seus viventes
há que vê-los nas noites
embutidos nas madrugadas
como se a vida fosse um pingente
que tramitasse no nada
há que vê-los condenados
na alforria de todos
como se toda liberdade
fosse uma espécie de cobro
há que vê-los passados
num futuro tão incômodo
que pulsa pelos seus passos
como um eterno retorno
há que vê-los alegres
nessa exata pantomima
que enche o andar da vida
com os risos de quem caminha
há que vê-los materiais
no imaterial desconforto
de subverter o espírito
nos combates do seu foro
há que vê-los absolvidos
das sentenças mais incautas
que julgam o raso dos homens
com ganas de astronautas
há que vê-los reticentes
na multidão de juízos
que atropelam as gentes
quando viver é preciso
há que vê-los combatentes
nas guerras mais combatidas
rasgando seu coração
nos peitos das avenidas
há que vê-los senhores
numa terra sem escravos
como se fossem da praça
os seus sonhos mais avaros
há que vê-los, enfim, libertos
pela força dos seus pulsos
nas praças em que o tempo
tenha o povo como discurso.