Ode ao carnaval de Olinda

assim inventando a Ribeira

o bloco nem tem enredo

é um punhado de sonhos

que caminha sem segredo

na doce flauta do frevo

no frevo incauto que vem

rasgando assim a ladeira

daquilo que não se tem

e que se escreve nos passos

e nos jeitos do coração

como uma música infinita

que coubesse na própria mão

não tem o sabor distante

das coisas mais coerentes

porque lhe falta ser rosa

no peito desses viventes

por condição de ser flor

desapartada das gentes

e que se queira mais povo

de fervor mais consequente

por se escrever pelas ruas

com a história na frente

às vezes nem se pressente

que o frevo é quase manhã

é condição de ser nada

é mansidão de ser tudo

é urbe descompassada

é Olinda passageira

atravessada no mundo

as ruas tremem na canção

com a coerência de um grito

e aninham a multidão

como um colo irrestrito

é como se cada corpo

com a intimidade precisa

se entranhasse pelas ruas

em todas as desmedidas

o povo dançando o tempo

desgarra lá da Ribeira

com a mesma força da vida

que se compara à certeza

de uma vida tão alegre

apesar das correntezas

dos rios que tangem todos

no rumo exato do medo

e cada um quase encontra

uma felicidade embutida

nos quatro cantos que o mundo

teimou em ser de Olinda

e até parece que o frevo

se engancha no coração

e os pés escrevem nas ruas

um quê de rebelião

como se criasse a vida

nas vidas que não se tem

e permitisse que o homem

deixasse de ser ninguém

e as ondas desse compasso

na praça do jacaré

são os bemóis desatados

de tudo quanto se quer

é o povo rompendo a rua

com a força da sua dança

como se fosse passeata

em favor da esperança

e os que escutam Olinda

tangidos por seu sorriso

inventam uma verdade

do tamanho desse grito

que vige assim nas ladeiras

e nos desvãos da cidade

como se a vida fosse enfim

um jeito da liberdade.