O POETA E O BEIJA-FLOR

O beija-flor vive das flores. O poeta as planta nos versos, mas o que faz terem algo em comum não é isso, até porque o poeta planta flores na imaginação, flores baldias, vagas, tíbias, belas e feias, sem perfume.

Assim, as flores do poeta, não são encontradas nos jardins, nos mercados, são flores esparsas, perdidas nos quintais da indiferença, plantadas no anonimato dos seus delírios.

O poeta é um ingênuo, planta flores no deserto das almas, nas esquinas de concreto do mundo, nos desvãos de pedras, nos paredões da negação, nos campos vazios, onde ninguém espera que se plante nada. Ademais, estes tipos de flores não tem valor comercial, não podem ser vendidas, não dão lucro, não pagam as contas. Não movem a máquina do mundo, quando muito o torna mais humano, mas quem está interessado em humanidades, hoje em dia?

Quando as pessoas plantam flores no seu quintal, elas nada recebem em troca, a não ser a visita dos beija-flores, os poetas da natureza. Tão inúteis quanto! Não servem para muita coisa, não cantam, não tem valor comercial, suas penas pequenas não servem de adorno. São fúteis, cotidianos e banais.

Pessoas os veem, por micro instantes apenas e permanecem na imaginação delas por pouquíssimo tempo também. A poesia é igual, causa alguma emoção, dura um tempo pequenissimo no imaginário das pessoas, não muda conceitos, não cria vertentes filosóficas, não altera a cotação do dólar. Fica por mais algum tempo, apenas, nas almas dos mais sensíveis que amam o mundo, mas não são estes, bem sabemos, que movem o mundo, quando muito sonham humaniza-lo. Eles não sabem que também são poetas. Pois, não param de sonhar e quem sonha tem a alma poética. Assim se um dia, resolverem se debruçar sobre a mesa, com a caneta na mão e a alma arrebatada, escreverão, por certo, textos poéticos, emotivos, que também serão poesias, embora inúteis com todas as poesias!

Os beija-flores tem seus predadores na mata, por isso, aproximam-se dos jardins da cidade, onde se sentem mais seguros. Os poetas se refugiam com suas poesias, na comunidade de pessoas dotadas de sensibilidade, para safar-se da rejeição do mundo, da falta de sentido da vida e achar uma contrapartida, para a sua insignificância. É exatamente nisso, que eles e os beija-flores, tem algo em comum.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 28/09/2016
Reeditado em 06/05/2020
Código do texto: T5775324
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