PORQUE DIABOS NOS VEM A POESIA?

Sempre escondi meus sentimentos! Por longos cinquenta anos ocultei-os de todos e de mim.

Por certo, ninguém nunca quer revelar o que abriga na caixa preta da alma, assim acontecia comigo.

Assim nunca quis escrever versos, mesmo quando eles vinham, bordejando, atropelando, abalroando as palavras na minha mente, como água querendo achar uma saída na rocha.

Mesmo quando eles se locupletavam dos momentos de emoção ou quando as rimas abundavam, nas troças e piadas que compunha, ou nos trocadilhos do dia a dia, mesmo assim, eu os desprezava!

Não os colocava no papel e assim perdiam-se nos desvãos da mente, que eu diligentemente tratava de ocupar com outros pensamentos e coisas!

A verdade é que não queria ser poeta por não querer expor impudentemente, meus sentimentos mais íntimos, estes pássaros, que andam no véu da alma, sempre protegidos por defesas seguras! Nunca desejei que saíssem de mim!

Não por medo, mas porque achava inconveniente, inútil, ridículo e porque os considerava desprotegidos e fora do contexto do personagem que criei e que portanto, não durariam se expostos ao sol ou ao ácido do mundo e sua toxidade tão árdua.

Também porque os considerava minha reserva pessoal de humanidade. Por isso, sabia que existiam e os guardava com um misto de zelo e descaso. Eram meu respiradouro, meu canal de ligação com o sublime, com o humano! Um estofo, uma porta por onde expressava o que achava ser meu eu verdadeiro e que queria manter desconhecido.

Todavia os anos, a vida, me amoleceram, com o tempo passei a não ser tão duro e mais descuidado.

Assim nas noites calmas que a reflexões surgem como um calmante da mente, onde você pode aproximar-se dos anjos e de você mesmo, sempre apareciam inspirações não solicitadas, que vinham pelas asas da imaginação solta. Nestes raros momentos em nossas vidas que se consegue selar a paz com o mundo, eu então, permitia que estes sentimentos saíssem, algumas vezes e tinha um estranho desejo de retê-los, colocando-os no papel. Permitia assim que eles gozassem do silencio e o cheiro da mata que nos rodeia nos momentos altos e experimentassem a vida e minhas avalições quando voltava em outro estado mental para relê-los. Mesmo assim não os exibia a ninguém pelo receio do ridículo.

Então eles se saiam da mente e se recolhiam em algum caderno velho ou no computador. Contudo, eles deixavam seus rastros, dentro de mim.

Assim foram se tornando uma rotina que no final, fazia mais bem do que mal para seu autor. Vi que voltavam e pediam passagem com mais frequência.

Depois vi, que já não podia mais detê-los, como se fossem o irromper de uma florada de uma primavera, decidida a vivificar meus campos secos, cada vez mais deixando rastros e húmus, cada vez mais visíveis, pelos escombros dos muros derrubados, sobre as cinzas do meu tempo perdido!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 08/10/2016
Reeditado em 18/02/2024
Código do texto: T5785559
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