O Guri

Era outono e as folhas começavam a despencar – ziguezagueando pelos ares – num balé arrítmico e irreverente. Açoitadas pelos acordes invisíveis de um vento – altamente sibilante – elas cumpriam, assimetricamente, cada ato daquela peça comemorativa ao fim de mais um verão.

Um menino assentado, num banco de praça, ignorava tudo a sua volta. Absorto, com os olhos fitos no nada, o moleque parecia viver num mundo de sonhos. O que estaria ele pensando?

O vento soltou a voz num tenor bárbaro e a vida foi tomando forma de ópera. O céu cinzento compunha o cenário, dando o aspecto melancólico a cada tomada de cena. Eu era o único espectador. Ninguém mais assistia! (...) O que estaria ele tramando?

Senti-me magnetado ao solo inocente daquele quase monólogo: “O MENINO E O TEMPO”. E o tempo passava – totalmente ignorado pelo infante de ingênuo aspecto. Era como se o tempo – para ele – jamais houvesse sido contado. O que o traquina estaria maquinando?

Desviei meu olhar para o jornal que trazia à mão e chorei. Chorei ao ver as manchetes sensacionalistas do meu famigerado pasquim, anunciando-me o fim de mais um ato. Não de Verdi! Nem de Mozart! Mas, da inoperante ópera da vida. Incoerente! Inconseqüente! Sem script, sem enredo, roteiro ou diretor.

E o menino continuava ali, totalmente alheio! (...) Imune! Confortavelmente adequado! Muitas primaveras e outonos haviam passado e eu ainda não havia aprendido. Senti inveja daquele pirralho!

De repente, com a simplicidade de quem lança no vazio um olhar, ele sacou do bolso um pirulito e começou a sorvê-lo com lânguida graça. Que saudade! (...) Suspirei, enquanto um pensamento funesto me arrebatou os sentidos:

“se somos nós os atores, onde estará a platéia? Quem nos ovacionará, quando fecharem-se as cortinas? Curioso, os atores passam o tempo todo, mas a peça continua. Parece nunca ter fim!”

Lá está ele – novamente – parece ser o único a não representar! Sua autenticidade me assusta. Como pode? (...) Todo mundo representando o tempo todo e o sardento pirralho completamente alheio. Autêntico! Austero! Totalmente imune. “Seus nervos parecem de aço”. Pensei.

Ao ver o menino vencendo uma luta ¬– por mim, jamais vencida – filosofei: a inocência é prima da ingenuidade, assim como o medo é a cara da coragem. Ah! (...) Se eu tivesse tido coragem! (...) De assumir! (...) De gritar! (...) De brandir! (...) De quebrar os protos e os colos. Chutar o balde e simplesmente, rir. De pegar um pirulito (...) e voltar a ser aquele guri.