O nosso valor

Quem vale mais?

Cabeça de negô, cabeça de índio ou cabeça de nelore?

Olhe, vale lembrar das vezes que você atravessou a rua ao me ver passar. Também tá valendo exaltar as propriedades que a cabeça do nego podem carregar: medicinais, culturais, dentre outros mais, que o fazem sagaz por demais, e diante dos meus ais, posso confirmar, defendo o calor e o valor das cabeças periféricas, das cabeças marginalizadas, das cabeças raspadas nos presídios para reprimir a proliferação de piolhos, das cabeças condicionadas ao conteúdo programático da TV aberta, tendo como regra a alienação, sendo conduzidas ao matadouro feito boi de engorda, e tome nota, vou aqui citar, enquanto repreendem a cultura legítima deixam a burguesia passar, com os vales livres dos tays, os mesmos tays que há séculos grilaram as terras do índios com apetite e fissura e, desde que José Antônio Pereira por aqui chegou, que se mata a cultura.

Mas deixa estar, pois quem vem lá? Quem vem lá? Outro Preto perito na arte de roubar. nós? Como assim? Hoje roubam a nossa cultura com a desculpa de apropriação, mas quem é que apanha quando passa o camburão, que fica presso quando o enquadro passa, os índices comprovam de qual cor a justiça gosta. Eu mesmo assumo que sou ladrão, de bit, de ideia, de amor, 171 dos bons, programado pra rimar contra a opressão, e ainda vos digo, nenhuma cabeça de nego é em vão, aqui todos estão armados de versos, somos tiro na cara do camburão. Mas calma irmão, somos contra a violência, mas como Malcom e Zumbi, vamos reagir, vamos bater de frente, vamos morrer lutando, vamos calar a boca de quem aplaude bolsonaro, de quem bate em mulher, de quem é racista, homofóbico, conservadorista e, toda e qualquer forma preconceituosa de ser, que não respeito outro ser além de você.

Pois desde quando Bambata exaltou nosso valor, os mandamentos que a Zulu Nation escureceram ainda mais a nossa cor. Eternizando orixás, desafiando os coturnos e cassetetes, o ternos e as gravadas dos bandidos que mais matam na nação, os putos políticos de direita, que encaminham pobres periféricos iguais a nós, vestidos fardas e pastando salários de fome, para bater no espelho, reprimir e matar, alguém que poderia ser seu irmão, seu filho, seu destino, seu par.

A vida é engraçada e tanta repressão me ajudou a se criar, e foi assim, criando coragem de olhar no espelho que a inflação chegou aos navios negreiros, dando valor a quem recheia os camburão e por mais que eu queira dissecar This is América é aqui, a terra dos coronéis, onde maruns mandam eleitores tomarem nos seus cus e abaixarem a cabeça rumo ao matadouro, pois valem mais os lucros que almas para esse bando de cachorros, famintos por dinheiro e enquanto eles estiverem no poder, que se foda o Brasil inteiro, que se foda você, que por pagar um carnê se acha melhor que o seu semelhante.

Triste semblante.

Me diz, quanto vale o show?

Quem tem mais valor?

O boy folgado ou o pobre assalariado, uma arrouba de preto ou as picanha do patrão?

Para eles somos carne de terceira e mesmo dispensando a ostentação, eu corre pela afirmação que sou preto tipo A, estou aqui pra mostrar que não somos margem, nem beira.

Somos fluxo. Contra a corrente. Quem sacode a poeira.

Pois antes de Tia Eva fundar essa cidade, já estavam por aqui os índios e ao invés de disputar, eles compartilharam a propriedade, mas a história teima em mentir e vai dizer que foi um tal de JAP, que fez desse mato tudo o que somos hoje, no lombo de muito preto, índio, pobre trabalhador foram construídos impérios pecuaristas, currais políticos.

E pra firmar e rimas slam com campaum, quero deixar bem claro que tens direito e propriedade sob cada canto eira e beira dessa cidade. É tudo nosso, meu, seu, do policial, do guarda municipal, do ator de teatro, do catador de latinhas, essa cidade é sua, é minha e mesmo que os donos de papel passado venha dizer, todos sabem, inclusive Deus, que a sua cabeça desde que armada de argumentos, sempre irá valer, muito mais do que qualquer boiada que esses bacanas possam ter.

Nelore, não tenho nada contra você. Mas quem te cria em terra roubada dos índios tem muito o que aprender.

Pra começar lembra daquela: meu povo bate tambor, eles batem panela.

Esses versos nasceram para valorizar, são cifras em forma de palavras, tijoladas na cabeça dos racistas. Por minha Vó, minha mãe, meus tios e meus irmãos, e por todos os gays, os índios, os mendigos, todo e qualquer cidadão, que assim como os pretos, não tem nenhum valor na cidade de Campaum.

Sem mais delongas, pra encerar, gostaria de deixar uma pergunta no ar.

Pra quem bate tambor, reza, peça ou ore. Quem vale mais? Cabeça de nego, de índio ou de nelore?

Marco Cardoso
Enviado por Marco Cardoso em 04/06/2018
Reeditado em 06/06/2018
Código do texto: T6355476
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2018. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.