O que não cabe nos homens
Eu sou a cadeira flácida do boteco sujo que, entre pregos mal dispostos e enferrujados, me equilibro entre uma piada e um gole de bebida.
Eu sou a ponta da lança mal manejada que, no movimento assustado do covarde, penetra o peito do herói em dor aguda.
Posso ser bela como a flor do maracujá.
Posso ser crua como as entranhas de uma preza.
Eu estou nos gestos mal acabados dos jovens amantes, no primeiro gole, no último lampejo. Nas verdades balbuciadas e nas mentiras sorridentes.
Eu estou no calor da pele ao sol do sem teto. Os pobres ociosos gritam meu nome nas esquinas e vociferam suas crenças em meu altar.
Loucos me usam para falar de pungentes amores, alguns me dizem o que dizer, outros escutam o que tenho a falar.
Sou escrava da pena dos tolos, caibo em qualquer pedacinho de pensamento. Uma vez parida, não sou mais tua, sou minha e falo na língua das memórias de tudo que houve, para todos os que escutam.
Confundo reis, apaixono mancebos. Me deito com suas mulheres nas noites frias do verão e quentes do inverno. Não cabes em mim, não abarco a ti que me crias, sou porção, sou o hiato do éter, mas sou todos os livros em todas as línguas. Guarda-me e serei só tua, se quiseres que eu suja seja.
Se não me recebes quando te quero, te traio. Se não me agradas, te amo.
Sou pagã, mais alta heresia.
Prazer, me chamo poesia.