Ode aos instrumentos

Sina insana, assassina

insônia serena, dever

fina morfina de meu morrer

profissão divina, escrever

folha, folha, cafetina de meu prazer

ilumina a mente mínima, faz-me ver

a beleza anônima, o caso clínico, o louco, o ser

faça-te espelho, janela, receita, lei

lápis, lápis, lapidador de minha dor

tinta negra de minha lágrima, sim amor, não amor

marcou-me a flecha, marquei-a o lápis, não ficou lá, fica aqui

química mímica, física mística, gramática hermeticamente fechada, timidez

borracha, borracha, desvia o facho, atrasa o desfecho

acho ou não acho? nenhum dos dois, sei.

sei, sou, o resto não existe, se apaga no escuro

não é murcho, não é bucho, tudo é belo, tudo é puro

tanto tento, tenta-me o texto, falho no intento

creio me tonto, tosco, apenas ato, sem instinto

pra ver no momento, no instante a luz, o farolete na bruma

no escuro branco duma folha, na claridade negra duma tinta

tenho intenção mas não viso menção, não escrevo a esmo

faço de profissão, dou o plasma, destruo resmas

construo mundos, exponho lhes meu coração, terras ermas

ermas a tanto que ao ler pasmo, será eu mesmo?

Lúcio de Moura
Enviado por Lúcio de Moura em 20/09/2007
Reeditado em 20/09/2007
Código do texto: T660455