Estrelas também se apagam

Salvo e seguro ele permaneceu no estado emocional em que se encontrou, veio de maneira súbita, enxugou as lágrimas e o acompanhou até que as luzes dos apartamentos apagassem, até ser a única alma viva e acordada que jazia fazendo da noite o seu palco, declamando e atuando a peça em que tinha seu papel incondicional, escrevendo o próximo capítulo da tragicomédia de supérfluas reviravoltas em que era protagonista mártir.

“Sou verdadeiro em minha própria autenticidade inconsistente”, falara isso, pois não havia ninguém a protestar. “Um dia sairei do meu casulo, minhas asas serão cinza e azul, mas serão invisíveis como a roupa do rei, os risos e desprezos farão da vergonha a razão que censurará meu voar” sussurrava e escrevia, posicionou corretamente as vírgulas e fez de si um parágrafo, desapareceu na tinta e nas palavras.

Pensou nos planejamentos, pôs a sobriedade como maquiagem para o fato de que estava fora de si, embebedou-se no amor e paixão, que no ápice do momento, já não possuía distinção ou significado algum no final do dia. Queria a dor como lembrete de que estava vivo, e quando conseguiu, viu que se alegrava às coisas que menos faziam sentido ou coerência, e quando percebeu, alegrou-se e virou para o outro lado da cama.

Vendo a si em um espelho embaçado, traçou o reflexo naquela falsidade, escreveu o seu próprio em poesia, fez o mundo inteiro ver sua nova face, sentiu a satisfação marcar o fluir do sangue e a agitação das células, repetiu até alcançar a perfeição, mas quando a consciência reencontrou a lucidez, sua poesia estava embaçada, feia e verdadeira ao olhar mais uma vez, e ao perceber, chorou versos em uma tempestade.

Enquanto o céu permanecia sendo uma tela de pintura em branco, pintara o que quisesse para que brilhasse eternamente entre vazio negro, via no final o autorretrato de si entre as nuvens e sentia que essa era a melhor parte da solidão: Ela pode se tornar uma doce solitude se os olhos vissem o quão único é estar subliminarmente em diálogo consigo mesmo, resolver guerras e conflitos em um silêncio voluntário, e de recompensa, permanecer quieto até tudo voltar à sua devida normalidade.

As estrelas se apagaram em reverência à sua majestade: o Sol. O reino dominou a manhã com uma disposição luminosa, tirando a escuridão de todas as velhas dualidades, concebendo a luz para ver o rumo dos passos. e quando estava enfim em sincronia com a natureza, descansou suas pupilas secas e dormiu salvo e seguro.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 21/05/2019
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