Quem nunca chorou nessa cidade?
Acordamos como o Gregor do Kafka, barata
pensando em cada dívida que precisa ser quitada
preocupados apenas em chegar no trabalho
replicando a metamorfose nesse sistema falho
Devoramos os restos, temos pressa
tempo é dinheiro, e só ele interessa
devoramos os restos como pragas
suplicando cifrões pra poder manter as casas
Meio pão,
meio café,
meia oração,
e de inteira só a fé
Livres em prateleiras! Mas não há fuga
no fim, somos entregues a quem nos aluga
saindo empacotados como produtos
em caixas de ferro por extensos minutos
Nos jogamos em pontos luminosos da cidade
atraídos feito mosquitos por tanta luz
nos perdendo numa ilusão pra manter a sanidade
é fazer isso ou ser esmagado por nossa cruz
E mesmo vivendo feito seres robóticos
continuamos quase humanos, sentimos
temos que lidar com nossos pensamentos caóticos
mas onde fica o tempo para refletirmos ?
Nessa cidade de seres fumantes
que aspiram o veneno das máquinas
as pessoas chegam com sonhos brilhantes
e os enterram no chão das fábricas
Uma vez ouvi na escola" não temos amizades"
ouvi que todos ao redor são nossos concorrentes
na cidade do trabalho ouvimos essas barbaridades
constroem humanos paranoicos de corações doentes
Aqui os amores me lembram os salários
no começo a visão do bruto, doce ilusão
vem descontos, liquidez, tristes saldos bancários
e antes do fim do mês só restou a solidão
E nem há tempo pra poder sofrer no lar
as lágrimas caem em qualquer lugar
mas quem nunca chorou nessa cidade?
No metrô, numa estação, na liberdade
quem nunca chorou nessa cidade?
Nas ruas, nos banheiros, sem privacidade