Quem nunca chorou nessa cidade?

Acordamos como o Gregor do Kafka, barata

pensando em cada dívida que precisa ser quitada

preocupados apenas em chegar no trabalho

replicando a metamorfose nesse sistema falho

Devoramos os restos, temos pressa

tempo é dinheiro, e só ele interessa

devoramos os restos como pragas

suplicando cifrões pra poder manter as casas

Meio pão,

meio café,

meia oração,

e de inteira só a fé

Livres em prateleiras! Mas não há fuga

no fim, somos entregues a quem nos aluga

saindo empacotados como produtos

em caixas de ferro por extensos minutos

Nos jogamos em pontos luminosos da cidade

atraídos feito mosquitos por tanta luz

nos perdendo numa ilusão pra manter a sanidade

é fazer isso ou ser esmagado por nossa cruz

E mesmo vivendo feito seres robóticos

continuamos quase humanos, sentimos

temos que lidar com nossos pensamentos caóticos

mas onde fica o tempo para refletirmos ?

Nessa cidade de seres fumantes

que aspiram o veneno das máquinas

as pessoas chegam com sonhos brilhantes

e os enterram no chão das fábricas

Uma vez ouvi na escola" não temos amizades"

ouvi que todos ao redor são nossos concorrentes

na cidade do trabalho ouvimos essas barbaridades

constroem humanos paranoicos de corações doentes

Aqui os amores me lembram os salários

no começo a visão do bruto, doce ilusão

vem descontos, liquidez, tristes saldos bancários

e antes do fim do mês só restou a solidão

E nem há tempo pra poder sofrer no lar

as lágrimas caem em qualquer lugar

mas quem nunca chorou nessa cidade?

No metrô, numa estação, na liberdade

quem nunca chorou nessa cidade?

Nas ruas, nos banheiros, sem privacidade

R J Ferreira
Enviado por R J Ferreira em 08/08/2020
Reeditado em 29/09/2020
Código do texto: T7029437
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