Um lume que se foi

A cada instante despeço-me de mim

Dou-me um “vá em paz”

Olho-me e me vejo a acenar às sombras lentas

Todo o tempo que se foi é vento opaco

A varrer lembranças de todas as andanças caminhadas a passos lépidos

Deixo póstumo a heráldica de meus sonhos

Sonhadas em horas impressas em dias esquecidos como aquarela

Não me retorno ao ponto de onde parti

Pois minha partida foi sem despedida

Não há para quem acenar

Para cada aceno

É preciso uma estação

Sem trens vagos

Sou-me companhia e teu retrato é maltrato que me agonia

Esta vida tem descaminhos

E nenhum deles tem ninho onde eu possa desesperar

Meu canto é recanto

Cova do despertar

Há um grito oco constante disfarçado pelo bulício dos fantasmas alheios

Engalanados sob medida como se vida tivessem

Para exibirem seus indisfarçaveis silêncios superficiais

Ensurdecedores como pranto de um cego

Alvos como dentes de cadáveres caninos

Tal qual criança, não há quem me sopre a dor da incompreensão

Sou vela acesa nesse quarto escuro que é o existir

Me consome saber que não sou vida

Sou apenas lume que se vai...

Absorto na chama da vela_essa sim o tanto de vida_

Abstraio o quanto de clareza emprestou-me a eternidade

A lumiar o tanto de vaidade a consumir-se num lapso de “já foi”

leandro Soriano
Enviado por leandro Soriano em 21/11/2005
Reeditado em 29/08/2007
Código do texto: T74107