Ao Ricardo Reis.
É, meu bom e caro Reis.
Se tudo que cessa é morte,
morro e cesso a cada dia.
Não existe vida ou sorte,
Nem existe essa agonia.
Cada instante eu morro e vejo,
no desver para o presente,
olho, penso e vivo morte.
É mentira o que se sente.
Em meus pulmões há o passado de minha boca
e o encéfalo é um museu de poucas luzes.
O que importa? É o presente?
Pois se for eu não o vejo.
Nem você.
Nem ninguém.
Pois é, meu caro Reis.
O instante não existe,
é errado quem insiste
que é possível ser presente.
O que vês e o que sente
é somente sombra atriste
que infeliz ou felizmente
já não vive entre nós.