O homem e o rio
O rio nasce com um só desejo,
da terra brota uma só vontade, chegar ao mar.
O homem nasce com mil desejos, mil vontades,
chegar aos céus e inundar o mar,
quer ser árvore e voar
O rio caminha, seu devir é caminhar
sem pedras no caminho
seguiria em linha reta
direto, de reta para o mar
e jamais alcançaria a mar.
O homem caminha, seu devir é caminhar
entre pedras contrárias, polos opostos,
quer alcançar o céu, quer alcançar o mar,
sem pedras, sem polos contrários,
não caminharia, e, parado,
não reta, ponto, finitamente imóvel,
jamais alcançaria o mar,
jamais alcançaria a mar.
O rio como a ameba não pensa
apenas analogicamente escolhe
por onde vou por onde vou,
e vai indo, contorcendo pedras,
juntando-se sinusal a outros rios,
crescendo e subindo, subindo para o mar
buscando o mar e a mar.
O homem pensa que pensa
enquanto apenas segue do inconsciente
o determinismo imposto por escolhas
anteriores impostas por escolhas interiores,
o passo dado flui para o futuro como
permanente passado, círculo,
o homem não flui para o mar,
jamais conhecerá a mar.
O homem que não questiona
tem respostas, respostas dos outros
e flui em inter rogações não feitas
Neste ponto o homem é amébico:
se não questiona,
para onde vou? Para onde vou?
vai para onde o guiam,
e não vai para onde quer,
embora quem o guie
o faça sempre compreender
que está indo na direção que deseja:
não escolhe, é escolhido.
O homem que pensa, questiona
qual pedra considerar, qual pedra ultrapassar,
de qual pedra desviar, cadê o mar, cadê a mar,
e interrogações fluem como areia contando o tempo,
seu tempo, e sedimentando no leito
do corpo, nas profundezas de seu mar,
respostas refeitas respostas repostas
que tudo do todo já se questionou
e se teve respostas que como barro
são amalgamadas na lava viva que é o ser,
como árvore tornado invertido para o céu,
um dia conhecerá o mar,
como ave Fênix a cada dia renascida,
sem cinzas, caminha a conhecer a mar.