(sem título)
Cansou-se de escrever sobre
distâncias,
terras longínquas,
outros planetas,
olhares vazios,
peitos vagos como quartos
de hotel barato.
Cansou-se de escrever sobre
o real,
sendo irreal.
Cansou-se de ser velho
habitando um corpo novo,
cansou-se de ser novo em
um mundo velho.
Cansou-se dos meses que
se repetiam,
das bocas que trocava sempre
os mesmos beijos,
dos ternos envergados para
ir aos enterros.
Cansou-se de visitas, e de
não ser visitado.
Cansou-se de ser, e de
não ser,
cansou-se de passar pelos
dias,
e de viver dias plenos,
e dias vazios.
Cansou-se de reencarnar
todos os dias na
mesma carne,
e de encontrar todos os
dias outro declínio
ao seu lado.
Cansou de ver o amor
semi-nú.
Cansou-se de reescrever
memórias e rememorar
delírios,
cansou-se de se aventurar
pelo alheio inóspito.
Cansou-se do olhar, que diziam, curioso
e do olhar, que diziam também, blasé.
Cansou-se de estar longe,
e de estar tão próximo.
Cansou-se de estender a
atenção às esquinas,
cansou-se da ânsia para
se vender,
e de alimentar carícias
com poemas de amor.
Cansou-se da estrada,
cansou-se das pausas
nas estalagens que acolhem
em frieza acalorada.
Cansou-se de escrever sobre
destinos,
sobre reféns do desatino,
sobre a espera por cartas,
ou mãos salvadoras.
Cansou-se da beleza das
cerejeiras em flor,
de provar pratos exóticos
e escrever sobre as viagens
ao interior.
Cansou-se da tristeza que
embelezava seus dias, e
da pobreza que o fazia tão igual.
Cansou-se das fotos monocromáticas
que coloriam dias
desfeitos, e dos livros velhos
que contavam seu futuro
com verbos no tempo passado.
Cansou-se da timidez das folhas
brancas que entregavam-se a
qualquer desvario por um pouco
de atenção.
Cansou-se de escrever tantos
versos, e ao fim não
encontrar tradução.
Cansou-se de encontrar
tantos sinônimos, mas
poucos sentidos.
Cansou-se das campainhas
que anunciavam outras pessoas,
mas sempre a mesma pessoa.
Cansou-se dos sinos que
anunciavam a hora da morte,
sempre no mesmo horário,
todas as quintas-feiras.
Dias, meses, semanas, milênios.
Cansou-se.
Estava cansado. Só estava cansado.