A outra margem do rio

Sentado à beira do rio espero

Ainda que impaciente, nervoso

À beira do rio, persevero

Observando o passar lodoso

De infinitas, mágoas atrozes

Reclamações em vozes velozes

Declamadas em tom choroso

Por bebês em corpos de adultos

Que só aceitam da vida o gozo.

Sentado à beira do rio vejo

Seus eternos amores ruírem

Suas vãs esperanças falirem

Sua escravidão a um desejo

Que pouco dá e muito tira

Um desejo que é como a pira,

De um ritual para queimar a vida

Do lado de cá, observo calado

Vocês jogando seu lixo no rio

Que se arrasta, quase parado

Água negra de prolongado estio

Ou de tanto sentimento errado

Abarrotando seus peitos vazios...

Da margem de cá se percebe,

Que das ilusões que lá se bebe

Se alimentam outros animais,

Jacarés, crocodilos, gaviais

Que virão te morder os pés

À margem das águas mortais...

Sentado à beira do rio me canso,

A esperar que alguém atravesse

Em busca de outro remanso

Onde esse sofrimento cesse

Me canso, pois vejo que não

O sofrimento matando por lá

E ainda que esteja a matar

Estão todos convencidos de que

O sofrimento que tem é prazer

E que belo destino é morrer

(Mesmo que desconfie que não é)

Do lado de lá, o destino escolhido

Com todo glamour e o brilho,

Com toda aparência e estilo,

Viver uma vida cheia de tanto vazio,

E terminar comida de crocodilo.