no instante da manhã
Ali, onde termina o bulício nocturno da cidade,
e o cansaço dos gestos repetidos e sem afagos
se cruza com a descrença nas palavras e o folhear vago
dos dias insensatos e crus, se estreita a passagem alucinante
da memória, onde dois vadios vestidos de vento e de silêncio,
cruzam os esquivos olhares, semi-ocultos no limbo
dos seus rostos, respirando desejos vãos na mancha da manhã
exausta e contínua de punhais, ratoeiras e alçapões
É ao fundo daquela rua esquecida...
Termina essa rua na paisagem de um lago de águas
paradas e quase pútridas
Raios fugidios de sol cristalizam
as pequenas pedras brancas no fundo do lago
por sobre as quais dois peixes vermelhos
sem nome, cansados de não terem nome
e exaustos do exíguo espaço
no seu tempo aquático, buscam restos de nada
Lambem os limos das pedras escorregadias
ensanguentadas, como a vida,
e outras já sem limos de tão gastas
de se quererem pedras seguras para alicerçar
com segurança, o caminho que falta ainda percorrer
A beira do lago é modulada por esses dois vadios...
mendigos, aí sentados, ébrios de solidão e de fome
sobrevivem no instante da manhã que lhes serve de banquete
o sol na bandeja da pedra fria
Sol que já não guardam no recato do bolso esfarrapado
e se negam a passeá-lo hoje, consigo
pelas vielas sombrias da cidade entorpecida
Submergem, apenas, na profundidade do sonho...
depois matam a coceira das chagas
quando breve o dia reacende o lume
e a manhã salta como um peixe louco
dos olhos sem brilho para as suas mãos vazias
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Alvaro Giesta © por sobre o rosto do corpo
(publicado em Jan2015 - Notas do Autor no seu perfil do Facebook