In memoriam

Quando esquivas avenidas

e te embrenhas em becos escuros e sórdidos

o teu olhar tem planos inclinados e ruídos

nas pedras gastas da calçada que pisas escorregadias

Uma a uma marcas os teus passos fugidios

e as sombras em que te apagas

têm o frio oblíquo da desgraça

Miras os andrajos que te cobrem

nos olhos-espelhos baços das vitrinas

e ocultas as chagas do teu corpo

na fome que te apoquenta implacável

Acomodas-te num banco abandonado

no sossego inquietante do velho candeeiro

já sem luz que guarda o recanto escondido

onde as verdes sardinheiras do jardim

te acolhem e te escondem a pobreza

para o mundo insignificante,

sob um céu de estrelas despovoado...

Habitam os teus olhos dentro apagados

os braços de percursos inventados

no gélido tamanho do teu mundo

onde fictícias personagens habitam o teu corpo

esquecido Dizem que és louco... um louco

na incongruência do tempo que te habita

nesta claridade cega Perdes as asas e mergulhas

no esquecimento e na desgraça

Nada és na tua pele e a errática nudez

que te assombra o cérebro, derrama a carne

incendiada por nostálgicas ruínas do tempo

Perdes os dias e o sentido da existência...

os deuses esquecem-se de ti

que te devoras no vírus da loucura

Numa inquietação lúcida de lucidez

entras em convulsão incendiária

à espera que te ilumine um resíduo de sorrisos

És um templo fechado na noite sibilante

e florestal Habita-te o sonho o vento e a solidão

a erva orvalhada e as pedras da calçada

onde pousas os passos esquecidos e ignorado

Pensas pássaros errantes nas sombras abstractas da noite

e enleias-te em catarses fugidias do instante

que te foge sob os pés

Fundes-te nos abismos do tempo e de abismo em abismo

te esqueces de quem és.

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Alvaro Giesta © O Poeta Plural - a urgência da escrita