Eu queria por um dia.

Eu queria, por um dia, ser como eles.

Como os outros.

Como aqueles que nunca estouram. Que nunca se enchem a ponto de explodir.

Queria ser por apenas um dia, talvez assim, meio vazia.

E sorrir, rir das desgraças da vida, sem nunca procurar entender ou sentir...

Ah, eu queria ser!

Por um dia, um único dia.

Queria não me importar com a fome, com as dores, com as lágrimas, com o que vejo na tv.

Queria não sonhar tão alto, ter tristezas bem pequenas, e dessa forma me contentar com pouco, com algumas poucas alegrias amenas...

Queria tanto, por um dia, parar de me olhar de cima pra tentar me enxergar, me entender, e achar mais coisa pra desencontrar.

Mais problemas pra resolver.

Mais cordas pra se enforcar.

Ah, como eu queria!

Olhar com um olhar impassível para o mundo; não ver passarem os anos, não calcular os danos, não perceber as feridas.

Não achar tudo tão profundo.

Eu queria não me pegar pensando em como seria bom voar, em por que todo mundo se preocupa tanto com pedaços de papel verde e se estou enlouquecendo.

Queria, por um dia, que não me pegassem pensando nessas coisas e me aconselhassem a procurar uma maneira de calar a boca, psicólogos e igrejas.

É por isso, então, que queria ser como eles.

Deixei de rimar e nem percebi. Mas que seja.

Sendo um deles, eu não me pegaria pensando nessas coisas, será que alguém está me entendendo?

Quer dizer...

Me encontraria ocupada demais pegando outras pessoas pensando e convencendo-as de que são loucas, imbecis e endemoniadas por não serem como eu.

Eu não pensaria nada, mas daria muitos pensamentos para essas pessoas.

Sei disso porque no fundo, no fundo, sou uma delas.

E sempre vou ser.

Justamente por esse motivo é que consigo cogitar a hipótese de ser como os outros. Os outros nunca cogitam a hipótese de ser como nós. Afinal, somos loucos. E loucura é ruim assim como beber estraga os rins.

Mas ninguém pergunta aos bêbados os motivos que os levam a estragarem os seus próprios rins. Apenas dizem que é ruim, e todos eles anuem com a cabeça e sorriem pensando apenas isso, que é ruim.

Queria ser assim. Nunca ter "porquês" invadindo minhas certezas. Nunca ter dúvidas sobre coisas que eu não sei ao certo. Nunca olhar pro espelho e analisar meu rosto. Nunca sentir nisso tudo algum tipo de contentamento desgostoso, desgosto e contentamento por não entender nada, por ainda ter o que entender, por entender cada vez mais um pouco, mesmo que não seja muito, mesmo que não valha de nada entender ao todo.

Eu queria, apenas por um dia, conseguir manter meus sonhos na nuvenzinha em volta da minha mente; fechar os olhos e não ver tantas cores, tantos pesares, flashbacks; não ser indecente e não questionar o que é indecência realmente.

Não pensar em como a palavra velcro é estranha, não pensar em como toda palavra perde o sentido se falada várias vezes em voz alta; não pensar que tudo o que parece sem sentido na verdade tem sempre algum sentido, e que o que tem que ter algum sentido parece não ter nenhum.

Acho que é isso, eu queria ser como os outros.

Como os normais, não como os loucos e tolos...

Ah, eu queria tanto! Como eu queria!!!

Como eu queria, por apenas um dia...

Eu queria tanto, por um único dia

Por apenas um dia, apenas um...

Mas somente por um dia, porque mais que um

Com toda certeza, de vez eu enlouqueceria

Mais que um dia, com toda certeza...

Eu cansaria e morreria.

Thainá Mocelin
Enviado por Thainá Mocelin em 07/06/2015
Reeditado em 07/06/2015
Código do texto: T5268783
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