IDADE DO PRÉ-SIGNIFICADO

Quero saber de onde vem o encanto,

A curiosidade e vontade de aprender.

E quando eu ainda nem sabia ler?

Será que eu já queria aprender?

Eu não sabia que o sol se chamava sol,

O que eu sentia era que ele ardia,

Se eu ficasse muito tempo debaixo dele.

Aprendi que não dava para olhar para ele.

Outra coisa que aprendia,

É que de noite ele sumia.

Para onde ele ia?

E o fogo?

Eu nem sabia o que era combustão.

Achava o fogo lindo!

Nele via todas as cores.

Logo, aprendia que ele não gostava de carinho.

Um dia passei a mão na língua do fogo.

Minha mão ficou toda vermelha

E sentir muitas dores.

Também, eu via a água que caía do céu,

Não sabia que se chamava chuva.

Eu gostava de ficar correndo nela.

Pertinho da minha casa,

Tinha um rio que crescia

E corria mais forte quando chovia.

Eu achava que o rio estava feliz,

Porque a água tinha voltado para ele.

Dentro dele eu via os peixes,

Que não saiam da água para nada.

Como eu gostava de correr pela chuva,

Um dia tentei morar na água do rio.

Igual aos peixes, mas, não consegui não!

Aquilo me deixou triste.

Adorava brincar com o vento.

Às vezes era fraco, às vezes forte.

A ventania dava vida as plantas.

E as plantas dançavam

E brincavam comigo.

Sei que um dia o vento ficou bravo,

E levou todas as folhas.

E derrubou até uma arvorezinha,

Que eu brincava debaixo dela.

Quando o vento vinha,

Eu dançava com ela.

Em tardes encaloradas,

Eu ficava olhando as formigas,

Via as filas de formiga,

Via o trabalho delas.

Elas se beijavam quando

Passavam umas pelas outras na fila.

Aí, eu entendia!

As formigas, todas, são velhas amigas.

Eu também queria ser

Amigo das formigas. Até tentei.

Carreguei algumas folhas,

Até uma pétala de rosa,

E coloquei bem perto da casinha delas.

Um dia tentei pegar uma...

Fiquei chateado pela mordida que levei.

Não entendi nada.

Mas continuei gostando delas.

Meu irmão gostava de brincar comigo,

Me pegava pelas mãos e fazia corrupios.

Ele queria que eu visse o mundo

De um jeito diferente.

Adorava quando ele me pegava pelos pés

E me deixava de cabeça para baixo.

Às vezes me rodava,

Outras vezes caminhava comigo...

E eu via o que já tinha visto

De um jeito diferente.

Então, eu tinha um olhar novo para as coisas.

Eu adorava aquele olhar diferente.

Um dia, acho que fiquei

Muito de ponta cabeça.

E as palavras se misturaram

Dentro da minha mente.

Aquele lugar onde tudo que aprendemos

E também o que inventamos,

E e até o que ainda não conhecemos fica dentro da gente.

Acho até que a semente da palavra que Manoel

Queria pegar, também, de alguma forma mora lá.

Então, comecei falar coisas diferentes:

A buância parecia um mamião com

Aco fofonado dentro.

Batateta era o cau de dois aoda.

Dipulpa era a palavra que usava,

Quando fazia bobó meeme cair de tosta.

Adorava ver aãias quando tinha vulva.

Penso, que as rodadas

Que dei com a cabeça para baixo,

Me fezeram ficar assim.

Entrei de volta no mundo da pré-palavra.

Onde o encanto e o espanto

Valem mais que o significado.

Pedi para o meu irmão,

Que me colocasse de cabeça para baixo, novamente.

E assim tudo voltou ao que era antes.

Imagino os meninos nascidos na Zâmbia,

Em Quito ou na Nova Zelândia.

Quantas foram as imaginações.

E no deserto de Atacama vendo as “tilas”

ou na Groenlândia vendo as auroras boreais?

Penso até que os poetas vem de lá,

Do mundo do pré-significado.

Na verdade, o poeta usa a palavra para se esconder.

Vocabulário do pré-significado.

Tila – estrela

Aco fofonado – ar condicionado.

Buância – ambulância

Mamião – caminhão.

Batateta – bicicleta

Cau – carro

Dois aoda – duas rodas

Dipulpa – desculpa

Bobó meeme – Vovó Milene

Tosta – costa.

Aãias – aranhas

Vulva – chuva.

(Esse vocabulário me foi apresentado. Foi cuidadosamente anotado pela mãe, no período de 0 a 03 anos e meio do seu príncipe. Só uma mãe faria isso)