O mendigo.

Eu havia caminhado bastante naquela tarde de setembro. Nada de espetacular havia me ocorrido, com exceção de um pirulito que ganhei de uma criança que segurava o braço da mãe que parecia caminhar com pressa, seguida de um sorriso da generosa criança; e um pão com mortadela com um copo de café quente que ganhei de uma senhora na porta da panificadora. Um alimento simples, mas que saciou minha fome, por hora, e aqueceu o frio que sentia naquele momento. Mas ainda assim, até aí, um dia normal.

Cansado, parei para descansar no banco de uma praça. Deitei como se estivesse em uma aconchegante cama com colchão macio. Não custa sonhar! E fechei os olhos sentindo o frio de início de noite que se aproximava...

De repente senti um perfume... parecia um cheiro de pitanga fresca... Que cheiro bom!!! Respirei mais profundamente. Foi quando ouvi uma voz feminina: "Olá cavalheiro!" Abri os olhos. Não que achasse que era comigo que aquela moça estava falando. Não. Abri os olhos porque me encantei com sua voz, que era suave e reconfortante como o vento fresco que toca a pele numa tarde abafada de verão. E qual não foi minha surpresa quando vi aquele par de olhos negros olhando para mim acompanhado de um sorriso doce! "Posso me sentar?" Perguntou a moça. " Opááá!!! Claro que pode!" Me sentei para dar espaço para ela, limpando o banco com as mãos, ainda sem acreditar que ela sentaria. Ela sentou e então começou a falar: "Você sabia que nunca, nunca mesmo, estamos sozinhos? Aonde quer que você esteja, seja qual for a sua situação, você nunca estará sozinho. Nunca se esqueça disso." Eu só conseguia balançar a cabeça lentamente e afirmativamente, embasbacado por estar aquela moça perdendo seu tempo a conversar com um mendigo. Ela tirou um cobertor da sacola: "Gostaria de lhe presentear hoje com essa manta. Ela é bem quentinha. Você vai gostar". Ela se levantou e fez sinal para eu me deitar, e jogou a manta sobre mim com o carinho de uma mãe, ou de uma filha..., e pediu para eu me embolar na manta, impedindo que passasse vento pelas frestas do banco. E assim eu fiz. Eu estava olhando para ela ainda abobalhado quando ela passou a mão macia em meu rosto e falou: "Durma com Deus!" E Eu dormi!!! Quando acordei, fiquei me perguntando se aquilo tinha sido realidade mesmo ou eu havia sonhado. Quem era aquela moça? Qual era o nome dela? Não sei. Resolvi achar que ela era meu anjo da guarda. Se aquilo foi um sonho eu não sei, mas a manta estava lá, envolvendo meu corpo, me aquecendo... e no ar, um aroma de pitanga fresca.

* Nota da autora: Quantas vezes não nos deparamos com "mendigos" carentes no nosso dia a dia? As vezes eles parecem durões, mas não passam de seres que adoram ser paparicados. Olhe ao seu redor. Não precisa ir muito longe. Em sua casa. Ele pode ser seu filho que parece alheio às coisas em seu mundo digital, mas que ficaria deslumbrado com um ato carinhoso, como cobri-lo e beijá-lo antes de dormir, preparar uma xícara de chá, ou simplesmente um olhar carinhoso e um abraço apertado. Pode ser seus pais, quer more você com eles ou não. Aliás, se não mora, há quanto tempo não os vê? Pode ser seu cachorro que te espera todos os dias com alegria no portão. Um amigo, uma amiga. Ou um desconhecido. Um marido, ou esposa; namorado ou namorada. Eu. Você. Um ato de carinho e generosidade, as vezes é tudo o que falta a alguém para completar seu dia, como nosso personagem, o mendigo, que agora universalizo com os exemplos que dou. O presente pode ser uma visita, uma conversa, uma boa ação, uma palavra carinhosa, um sorriso, uma ligação, um poema, uma canção, um convite para um café, um conselho, uma flor, uma carta, um bilhetinho, qualquer coisa que venha do coração, sem intenção de recompensa, mas apenas pelo prazer de se doar. Afinal, somos todos "mendigos", crianças, carentes de alguma coisa.

Joalice Dias Amorim (Jô)
Enviado por Joalice Dias Amorim (Jô) em 18/05/2016
Reeditado em 31/05/2016
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