Caixas
A vida é dividida em algumas caixas.
No nascimento,
Vivemos durante um tempo numa caixa escura,
Quente, aconchegante,
Porém solitária.
Ouvimos doces vozes
De dois seres estranhamente amáveis.
E em algum momento daquela serena monotonia
A porta da caixa se abre,
Deixando adrentar uma forte luz
Que denuncia a existência de uma caixa muito maior,
Muito mais bela.
Na infância,
Aceitamos passivamente a compulsória estadia
Em uma caixa ainda mais estranha.
Há outros caixenses nela;
Alguns os chamam de pai e mãe.
Lá as coisas são diferentes, bonitas.
Aprendemos a sentir e a ver.
Testamos a aridez da areia,
Provamos o molhado da água,
Fitamos o brilhante amarelo do sol.
Descobrimos a loucura que é
Se juntar voluntariamente ao corpo de outrem;
Se acalorar no externo para palpar a quentura íntima,
E, uma vez palpada, permanecer ali
Apenas existindo.
O nome, ainda mais curioso: Abraço.
Na vida adulta,
Algo obscuro acontece no trajeto.
As caixas antigas se perdem, se esquecem.
Trancamo-nos em apertadas caixas cinzas,
Desconfortáveis,
Frias,
Claustrofóbicas.
Rendemo-nos à desumana lógica do
"Não floresça, enriqueça".
Passa-se o resto da vida produzindo
E, no fim, a vida se resume a restos.
O resto do corpo numa caixa de madeira,
O resto da fortuna em caixas virtuais (quase imaginárias),
E o resto da alma perdido à procura de caixas
Novamente belas e encantadoras.
Por quê?
Porque a vida, leitores, não cabe numa caixa cinza.